segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Violência e preconceito: a perseguição aos albinos na África do Sul



 Em especial nas áreas rurais, famílias abandonam ou escondem crianças; fato também ocorre em outros países do continente




                                         
 Sindiswa Ntshinga é empregada doméstica e mãe solteira.
Moradora da favela de Gugulethu, na África do Sul, a africana de
 36 anos cria quatro meninos, dois de pele escura como ela e dois
de feições claras e com cabelos loiros. O nascimento do primeiro filho albino aconteceu no ano de 2004.

“Eu não sabia o que albinismo significava, mas lembro que fiquei
assustada”, relembra. Com a ajuda de médicos locais, Sindiswa
 aprendeu tudo sobre a condição de natureza genética em que há
 um defeito na produção de melanina pelo organismo. Mas apesar
de ter saciado o anseio pelo desconhecido e ter aprendido a atender
as necessidades da criança, o medo ainda a persegue. “Eu posso
 lidar com os problemas de pele, de visão e até de preconceito,
 apesar de machucar. Mas me apavoro em pensar que meus
filhos são alvos de caçadores”, lamenta.

Em muitos países africanos, pessoas com albinismo são vistas
 como seres mágicos que possuem poderes de cura, tornando-se, por isso, vítimas de “muti” (mutilamentos realizados para poções usadas em rituais de bruxaria). “Partes do corpo de albinos sãocomercializadas em um `mercado’ ilegal ao redor do  mundo para  fins religiosos”, explica Nomasonto Mazibuko, presidente da ASSA (Associação de Albinos da África do Sul, na sigla em inglês).

Devido a esse fato, milhares de pessoas passaram a se esconder
 com medo de perder suas vidas para “caçadores”, que chegam
 a ganhar 75 mil dólares vendendo um “conjunto de membros”.
As partes mais valorizadas (dedos, língua, braços, pernas e
 genitais) podem ser comercializadas por 3 mil dólares.
 Entre 2006 e 2012, 71 albinos foram sequestrados, mutilados
 ou assassinados ao redor da África-subsariana.

O último crime registrado no país sul-africano ocorreu em 2011,
quando Sibisuso Nhatave desapareceu enquanto caminhava para
a escola na província de KwaZulu-Natal. O menino albino de 14 anos
 nunca mais foi encontrado. Concluídas no ano passado, as
investigações apontaram para sacrifício tribal.

A presidente da ASSA ressalta, porém, que a África do Sul não
 é a nação que mais sofre com o fenômeno de caça aos albinos.
A Tanzânia é a região com maiores índices de assassinatos
para fins religiosos. Mas o crime acontece no continente inteiro”, explica, destacando que ainda não existe nenhuma legislação específica para combater esse tipo de crime. “Nós, como país e continente, precisamos de leis somente para punir essas atrocidades ”, completa

Moradora de Gugulethu, a 15 km da capital Cidade do Cabo,
 Khutaza Ntshota Nono perdeu as contas de quantas vezes foi
 ofendida ou reverenciada na rua. “Muitos me xingam ou não
param de me olhar, como se eu fosse uma aberração. Também há  aqueles que encostam em mim e começam a rezar, acreditando que vou trazer sorte para suas vidas”, conta a estudante de 17 anos. O preconceito contra albinismo ainda é fortemente enraizado na sociedade sul-africana, onde muitos ainda enxergam a condição como algo “de outro mundo”.

Para Nomasonto, essa realidade só pode ser mudada com a ajuda
do governo. “Precisamos de campanhas de conscientização que
informem e eduquem as pessoas. Além disso,
em nenhuma parte da nossa Constituição se fala sobre albinismo.
A sociedade precisa entender que isso é uma questão genética e
não algo divino ou demoníaco”, declara. Segundo ela, as regiões
rurais são as mais afetadas pelo fenômeno.

O abandono de crianças com albinismo é outro grande problema
do país, que registra mais de dez casos todos os anos. De acordo
com o professor Trevor Jenkins, do Instituto Sul-Africano de
 Pesquisa Médica, um em 35 negros do país são portadores do gene
 que transmite de forma hereditária a condição. “Quando ambos os
pais são portadores, a criança nasce com albinismo. Muitas famílias
escondem seus filhos por vergonha”, explica.

Julia Skasi, de 43 anos, presenciou quando a vizinha jogou a
 filha recém-nascida na lata de um lixo nos arredores de
Khayelitsha,segunda maior favela da África do Sul. “Saí correndo para ajudar e, quando cheguei lá, vi que o bebê era branco. Tentei conversar com a mãe, mas ela afirmou que não
 queria uma filha ‘com defeito’“, relembra.

Sensibilizada com a situação da criança, a dona de casa adotou
 a menina que hoje se encontra saudável e com quatro anos de
 idade. “Ela é ótima na escola, apesar de sofrer preconceito de muitos
 coleguinhas. Para ajudar eu conversei com os professores e
expliquei sobre a saúde da minha filha. Aos poucos o assunto
passou a ser introduzido na sala de aula”, conta.

Mesmo com todas as dificuldades de adaptação em ambiente de
 ensino, a africana de cultura xhosa comemora o fato de a filha
 frequentar uma instituição regular da região. “Foi difícil encontrar
 uma escola que a aceitasse, as pessoas não sabem como lidar
com o albinismo”, diz. A presidente da ASSA confirma o fato

explicando que grande parte dos albinos acaba estudando em
escolas especiais para cegos. “Muitos albinos têm problema
de visão, mas isso não significa que eles não enxergam”, diz.

É o caso de Khutaza, que está prestes a se formar no terceiro ano
do Ensino Médio em uma instituição para cegos em Gugulethu.
A adolescente de 17 anos explica que, apesar de ter dificuldades
 para enxergar à distância, ela não é portadora de cegueira. “Foi
 o único colégio que soube me ajudar e entender as minhas
limitações”, fala.
Moses Simelane, do Departamento de Educação Básica da África
do Sul, garante que o governo já esta tentando reverter essa
 realidade. “Começamos um treinamento nacional para profissionais
 da educação ao redor do país, que aborda a diversidade
dentro da sala de aula, entre elas o albinismo”, afirma, explicando
que o projeto teve início em dezembro de 2012. “Até o final do ano
 nós pretendemos atingir todas as províncias”, diz.

Nomasonto Mazibuko comemora a iniciativa e afirma que esta
 é uma das principais conquistas da ASSA este ano. “Estamos
 acompanhando todos os workshops com professores, oferecendo
 palestras e treinamento de graça”, diz.

A presidente ainda destaca a luta da instituição para que o
 albinismo seja considerado um tipo de deficiência física junto à
 Constituição Nacional. “Desta
forma uma pessoa albina passará a ganhar privilégios
governamentais, principalmente na área da saúde, como protetor
solar e consultas médicas providenciadas pelo estado”, conclui.

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