Advogado, casado, funcionário público e vítima de assédio sexual. Esse é o perfil de um munícipe que dia desses visitou meu escritório em busca de apoio para levar adiante uma denúncia que fez sobre os abusos recorrentes que acontecem em seu local de trabalho
Lá, o chefe
entra na sala, abaixa a calça e sugere aos seus funcionários que o toquem nas
partes íntimas. Frustrado por não encontrar apoio entre os próprios colegas de
trabalho, que preferem praticar o “deixe isso para lá”, ele contou que chegou a
ser advertido por não ter se calado diante dos abusos de seu superior.
Diferentemente do movimento que vem ocorrendo pelo
mundo afora, com cada vez mais mulheres denunciando práticas abusivas, ali, no
universo masculino, o silêncio é soberano. O
homem, quando sofre assédio no ambiente do trabalho, se cala. Na maioria das
vezes, ele se sente envergonhado em denunciar o próprio abuso — diga-se
de passagem, cometido algumas vezes por mulheres em posição de chefia. Falar de
assédio sexual o faz sentir-se pequeno, menos viril, menos poderoso. Vulnerável
tão quanto uma mulher. Afinal, fomos treinados para um mundo onde homens e
mulheres não foram educados para compartilhar das mesmas fragilidades.
Uma pesquisa realizada por um grupo da Universidade
de Lisboa apontou que as mulheres são muito mais reativas quando sofrem
assédio: 52% delas denunciam o delito, enquanto 31% dos homens tomam a mesma
atitude. A verdade é que não há uma conduta no mundo onde o assédio seja
discutido em sua origem, que transcende as questões sexistas.
O assédio nasce
nas relações humanas onde há presunção de poder sobre o outro. Condutas
autoritárias, que humilham, cobram indevidamente e degradam o dito “fraco” estão
presentes em vários locais: acontece dentro de famílias, empresas, no universo
acadêmico.
“Quem assedia se enxerga
maior, inclusive intelectualmente. E é sobre poder, sobretudo, que precisamos
falar”
Quem nunca ouviu queixas assombrosas de mestrandos e
doutorandos que são rebaixados por seus orientadores acadêmicos por anos e anos
dentro da universidade? Eles são levados ao esgotamento físico e mental com
cobranças indevidas e recorrentes humilhações.
Muitos desenvolvem sérios problemas psicológicos, desistem
de suas teses, flertam com o suicido. São abusos que acontecem em laboratórios
por todo o país e na maioria das vezes o que impera novamente é o silêncio.
Quem assedia se enxerga maior, inclusive
intelectualmente. E é sobre poder, sobretudo, que precisamos falar agora para
combater o assédio, que, graças a Deus, virou o tema do momento.
Já falei aqui em outras ocasiões que a mulher com
deficiência sofre de muitas formas de assédios. No mundo todo, 40% das mulheres
com deficiência são vítimas de abusos frequentes e 12%, de estupro.
A violência
cometida se manifesta sob várias facetas: agressão física, compulsão legal,
coerção econômica, intimidação, manipulação psicológica, fraude, negligência e
muita discriminação no ambiente de trabalho. Uma realidade que deflagra muito
além de uma sociedade sexista, um mundo que não foi educado para conviver e
respeitar o outro como igual.
Educamos nossos meninos e inconscientemente o
influenciamos para que se sintam maiores que as meninas desde sempre. Por que,
ainda hoje, presenteamos nossos garotos com carrinhos e as meninas, com
vassouras? Por que o contrário parece tão surreal?
Quando nos tornamos mulheres somos vítimas de
homens que por toda a vida foram mimados por outras mulheres. E no caso das
pessoas com deficiência, o ciclo de assédios se repete à margem da
invisibilidade, pois essas pessoas desde muito crianças são colocadas à margem
de tudo.
As escolas se veem
no poder de vetar a matrícula de alunos com deficiência porque não enxergam na
diversidade o potencial de convivência e aprendizado. Uma discriminação velada
e perversa cuja as consequências se arrastam para uma vida marcada por várias
formas de assédio.
Ser cadeirante me
fez ver muita coisa diferente. A começar pelo meu próprio ângulo de visão, que
algumas vezes, por conta da altura da cadeira, me condiciona a ver as coisas
sob outra perspectiva em vários sentidos. E foi dessa ótica, entre pessoas com
e sem deficiência, onde mais consigo enxergar o outro se apoderando de quem
julga ser mais fraco. E só quando de fato combatermos esse delírio social, onde
se enaltece e isenta o poder, é que as relações humanas deixarão de ser
abusivas, criminosas e desiguais.
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