Não havia brinquedos que acolhessem Maria Eduarda do jeitinho que ela é
A mãe se incomodou. Coração de mãe – não é segredo
– tem amor igual por cada pequeno.
–
A vida das crianças com deficiência é terapia, internação. E o lazer? É
brincando que a criança se desenvolve, mas as crianças com deficiência são
privadas do lazer! Eu não podia deixar a infância da Duda passar.
Selma Nalini resolveu que era preciso mudar. E arregaçou
as mangas.
Foi preciso, aliás, muito arregaçar e um caminho
feito de desafios e burocracia.
O projeto Duda Nalini – que não tinha outro nome
para existir – foi protocolado em 2016.
Em junho de 2017, Selma, e seus parceiros da
iniciativa privada, inauguraram o primeiro parque público acessível de Ribeirão
Preto: Uber Sul, localizado na zona Sul.
Nos
dois espaços os brinquedos são feitos para crianças com e sem deficiência
brincarem juntas, a qualquer dia e hora. Há balanços com colete de segurança,
gira-gira com espaço para cadeira de rodas, gangorra com trava e assento
diferenciados, painel acessível.
– A ideia é
transformar os espaços públicos em acessíveis, e fazer uma cidade inclusiva.
Quando uma criança com deficiência brinca junto com uma criança que não tem
deficiência, a gente iguala o ser humano.
Além dos dois parques em funcionamento, há projeto
para a inauguração de mais três ainda neste ano. E a ideia se espalha e
contagia outras iniciativas a nascer.
Agora, Duda pode dividir o brinquedo com o irmão
mais velho. Esvoaçar os cabelos pretos no gira-gira e no balanço.
Solidária que é, não quis essa alegria só para si.
Os parques que levam seu nome estão sempre cheios de crianças e pais vivendo a
alegria – tão única – do brincar.
–
Quando você tem um filho, você sonha em ensiná-lo a andar de bicicleta, passear
no parque. Aqui, acontece a inclusão. Todo mundo tem seu direito respeitado.
Duda é a primeira filha de Selma Nalini e do
marido. Foi esperada e cuidada desde o primeiro ultrassom.
– Eu já soube logo no primeiro ultrassom que ela
teria má formação.
A gravidade, os pais só souberam depois do
nascimento.
Não havia, no discurso médico, expectativa de vida
para Maria Eduarda. Ela nasceu com uma má formação congênita chamada agenesia
cerebelar.
O cerebelo é a
parte do cérebro responsável por movimentos motores, pela aprendizagem motora, a fala.
Duda, caso raríssimo, não tem o cerebelo.
– Para os médicos, ela não tinha sobrevida.
Em outubro do ano passado, mês em que o segundo
parque do projeto Duda Nalini foi inaugurado, a pequena completou 10 anos de
vida, desafiando a ciência.
Duda
não anda, não fala, usa sonda. Acompanha, porém, a mãe com os olhinhos e fica
brava quando a foto demora a terminar. Respira sem aparelhos e sorri quando a
mãe pede.
– Ela está muito além das expectativas. É um
exemplo de vida para nós.
Quando a filha nasceu, Selma, que tinha 23 anos,
deixou a faculdade e o estágio de Direito e passou a viver seus dias pela Duda.
Foi assim que, durante as internações constantes da
filha, ela conheceu outros pais de crianças com deficiência e suas histórias. E
passou a estudar, pesquisar e lutar pelos direitos dessas pessoas.
– Eu via as dificuldades das famílias… Umas não
tinham alimentação, outras não tinham transporte ou fralda. Algumas, tinham
tudo isso sobrando.
Começou,
então, a ajudar essas famílias buscando o que sobrava em uma casa e levando
para a outra. Buscando auxiliar, orientar, encaminhar para serviços de
assistência.
A
falta de lazer, entretanto, continuava a incomodar.
–
Fora essa ajuda, eu me preocupava com o lazer. Muitas mães não saíam de casa
para evitar os olhares preconceituosos ou porque não tinham aonde ir.
Começou,
então, a organizar festas. Alugava salões, montava estrutura de enfermaria,
contratava serviços e comemorava, com essas famílias, a festa junina, o Dia das
Crianças e outras tantas datas. Chegou a juntar mais de 100 pessoas!
Mesmo assim, porém, não se sentia feliz. Percebia
que muitas mães não podiam ir à festa por problemas com transporte ou porque
naquele dia a criança não estava bem.
Quando o filho mais novo veio, a certeza de que era
preciso mudar ficou mais forte. Coração de mãe despedaça quando a alegria não é
a mesma para todos seus pequenos.
– A vontade de garantir a participação das crianças
em lazer e cultura ficou muito forte. O João brincava, mas a Duda não.
A implantação do projeto Duda Nalini levou três
anos. Selma tinha a ideia, mas precisava de formas para fazê-la virar
realidade. Além disso, era preciso ultrapassar as burocracias.
Buscou parcerias com a iniciativa privada e
conseguiu as autorizações necessárias da prefeitura, para a reforma do espaço
público que, pela lei, já deveria ser acessível.
–
O projeto auxilia a prefeitura a cumprir a lei vigente, que diz que 5% de todo
equipamento público deve ser acessível.
Selma buscou inspiração na internet, mas não havia
projetos similares para se espelhar. Ela acredita que Ribeirão Preto seja, com
o projeto Duda Nalini, cidade pioneira em parques públicos totalmente
acessíveis.
– Há brinquedos acessíveis dentro de instituições,
mas não há um parque inteiro.
A praça Ali Youssef Abou Hamim, na Lagoinha, foi
totalmente reformada para abrigar o parque acessível. O parque Uber Sul foi
construído já pensando na acessibilidade.
– Valoriza o local, o bairro, a cidade toda. A
cidade é para todos. E são espaços abertos, que as famílias podem ir conforme a
disponibilidade delas. Se naquele dia a criança não está bem, tudo bem. O
parque está sempre lá.
Com a parceria privada, além da construção e
manutenção dos parques, o projeto organiza domingos com atividades interativas
gratuitas para a criançada.
No
ano passado, Selma criou também o Dia de Circo. Em parceria com o Circo dos
Sonhos, que passou pela cidade, o projeto Duda Nalini distribuiu ingressos do
circo para 263 famílias de crianças e adultos com todo tipo de deficiência.
Uma
jovem cega, inclusive, quis ir à sessão. E teve sua vontade, mais que
respeitada, comemorada.
–
O circo também foi todo acessível. Essas pessoas lutam todos os dias. Precisam
de lazer.
O
projeto Duda Nalini, Selma explica, não é ONG. É vontade de transformar, e só.
E muito!
Tudo
é feito através de parcerias. E da vontade – imensa – de Selma.
Ela passa, todos os dias, pelos parques. Checa se a
área está limpa, se os brinquedos estão em ordem e pede:
– A população precisa cuidar! É de todos!
Ali, está um pedaço seu. Um pedaço, principalmente,
da sua Duda.
– É a realização de um sonho. A Duda, que poderia
nem viver, completou 10 anos e está melhorando a acessibilidade da cidade. Ela
virou patrimônio da cidade, porque tudo isso que foi construído é público.
O
coração da mãe, agora, bate tranquilo.
–
Eu tento fazer com que a Duda viva, tenha experiências novas. Se ela for embora
hoje, posso dormir tranquila. Fizemos o bem em nome dela e beneficiando toda a
cidade.
A primeira vez de Duda no parquinho não teve lá
muita alegria.
Mas, agora, isso é coisa do passado bem, bem
distante.
Retirado
do link :
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