Uma camiseta com a bandeira da Suíça, país conhecido por sua neutralidade, teria feito com que um menino de 9 anos fosse xingado e ameaçado em uma escola de São Paulo. O motivo? A peça era vermelha
Segundo seu pai, João – nome fictício – (*) saía de uma aula de inglês
no começo de março quando colegas da mesma idade o chamaram de
"petista" e disseram que deveria "ser espancado" e
"jogado na rua".
O pai do menino descreveu a história do filho em sua página no Facebook.
A postagem tem mais de 4.500 compartilhamentos.
"Fiquei muito
assustado em ver as crianças repetindo um discurso de ódio", disse o pai à
BBC Brasil.
A polarização política, que tomou conta de ruas e casas no país, está
chegando às escolas. Pais, professores e alunos ouvidos pela reportagem
contaram que a política nacional tornou-se assunto nas salas de aula. Lá,
meninos e meninas com opiniões ligadas à esquerda e à direita se dizem
constrangidos por colegas que pensam o contrário.
"(Meus amigos)
explicam que a Lava Jato é roubar dinheiro das pessoas pobres. Às vezes, no
recreio, ficam falando que o Lula está roubando dinheiro de todo mundo e que a
Dilma não presta, é comparsa dele. Chamam ela de trouxa, idiota", diz
Luisa, de 9 anos.
Ela conta que os
bate-papos acontecem na hora do lanche e que até os "preços muito caros da
cantina" são colocados na conta do governo. "Falam que é culpa da
Dilma, do Lula e da Lava Jato."
"De vez em
quando, ela me pergunta o que é corrupção. Dou exemplos do dia a dia, não de
política. Eles são muito pequenos para se envolver nisso. Hoje conversam muito
na escola e chega a ter bullying", diz a vendedora Karina, mãe de Luisa.
Coordenador de ciências humanas do Pueri Domus, um dos colégios mais
conhecidos da capital paulista, Ricardo Lourenço diz que os alunos do ensino
fundamental estão trazendo a opinião dos pais para a classe. "O frisson
veio com força nas eleições de 2014 e nas últimas semanas está ganhando novo
fôlego", diz ele.
"Para nós é sempre complicado. De vez em quando, o pai fala na mesa
do jantar com uma certa brutalidade, e o aluno repete. No fundamental, ele chega
com uma falta de compreensão sobre o tema e posições mais cristalizadas."
'É petista, é petista'
A professora de
inglês Christina, de 40 anos, diz que os filhos dela se sentem "excluídos
e acuados" com as discussões cada vez mais frequentes sobre política.
No Facebook, Christina contou o que aconteceu com seu caçula, de 8 anos,
quando ele chegou na escola um dia depois da manifestação contra o governo na
Avenida Paulista.
Segundo ela, a
maioria dos colegas estava de preto, "em sinal de luto pelo país" e,
quando viram Luis de uniforme, começaram a apontar para ele repetindo "é
petista, é petista". O uniforme é branco e azul.
Ela e o marido são contrários ao impeachment, uma minoria entre os pais
do colégio no Itam Bibi, zona nobre de São Paulo. A região teve panelaço
durante a posse de Lula como ministro da Casa Civil e Luis foi um dos poucos
que não foram para as janelas gritar 'Fora Dilma'.
"As crianças têm
que poder ir de preto, vermelho, amarelo, sem achar que precisam se vestir
assim para pertencer ao grupo", diz a professora, que também é mãe de um
menino de 11 anos.
Para evitar embates,
Christina tirou as roupas vermelhas "de circulação" e disse aos
filhos que não usassem peças dessa cor.
Questionado sobre casos como esse, Luis Claudio Megiorin, presidente da
Aspa-DF (associação de pais e alunos do DF) e coordenador da Confenapa
(Confederação Nacional das Associações de Pais e Alunos), diz que é melhor
prevenir do que remediar.
"Vai levar tempo
para gente voltar a usar vermelho. Até para as crianças não sofrerem nenhuma
retaliação e nenhum tipo de crítica: evitem usar vermelho."
Megiorin foi com a família aos protestos contra o governo e aconselhou
os filhos a não usarem a cor para não serem confundidos com outros
manifestantes.
"Os pais que levam os filhos para as manifestações vão incorporando
um sentimento de Justiça. Outro dia mostrei para o meu filho de 10 anos o samba
(sobre o) Lula e ele começou a rir porque sabia o que tinha ali", afirma.
"Já começo a ver ele e coleguinhas esboçando um 'Fora Dilma' (e
outras) palavras de ordem, porque estão vendo o exemplo."
'Ideologia de esquerda'
Se parte dos pais notam uma intolerância maior contra posições à
esquerda, há quem diga o contrário. Uma parcela das familias afirma que
pensamentos de direita são subjugados em escolas em que haveria uma
"doutrinação marxista".
Em suas provas de história, Mariana, de 17 anos, normalmente escreve
recados criticando o comunismo e Karl Marx. Ela costuma discutir com o
professor sobre a abordagem das aulas e se diz isolada do resto da turma por
suas opiniões mais ligadas à direita.
O pai de Mariana, o analista de sistemas Roberto, de 37 anos, de
Brasília, se orgulha das posições da filha e diz que, por causa delas, a
adolescente é excluída pelos colegas. Roberto foi com Mariana e a irmã para as
manifestações antigoverno em Brasília.
"Minha filha
mais velha sente muito o isolamento, foi chamada perante o coordenador por
discordar do professor. Ela gosta do Bolsonaro e se fala no nome dele na sala,
é zoada."
O advogado Miguel Nagib,
do movimento Escola sem Partido, diz que os ambientes acadêmicos devem ser
despolitizados. Ele considera que há muitos docentes militantes, que aproveitam
as aulas para disseminar visões de esquerda.
"É evidente que
também existem professores de direita que abusam da sua liberdade de ensinar
para fazer a cabeça dos alunos. Mas são franco-atiradores. No Brasil, quem
promove a doutrinação político-ideológica (...) de forma sistemática (...) é a
esquerda."
O analista de sistemas Roberto Cabral e sua família em protesto contra o
governo em Brasília
Conversa
Apesar da forte polarização política, a coordenadora do Núcleo de
Psicoterapia Infantil da PUC-SP, Ana Maria Trinca, diz que é preciso deixar as
paixões de lado ao explicar para os filhos o momento político.
"A função da escola e dos pais é acalmar e colocar as coisas em
termos menos radicais."
A psicanalista diz que hoje a emoção transpassa toda a discussão e isso
é perigoso quando as crianças usam o comportamento adulto como modelo.
"As atitudes estão
muito extremadas. É fundamentalmente emoção. Quando vai às manifestações, a
criança está inserida numa festa. Isso a estimula, mas ela não sabe por quê. Se
os adultos não estão entendendo, ela não poderá fazê-lo. E aí (se alguém) está
de vermelho, a criança é contra. É simples."
Depois das participações em protestos, por exemplo, é necessário
conversar, diz Trape. "Em vez de chamar fulano de burro ou de idiota, o
pai e a mãe devem explicar a situação, propor uma leitura com menos violência
embutida."
No entanto, para o professor da faculdade de educação da USP Elie Ghanem
esse diálogo é difícil, porque os adultos sabem tão pouco do processo político
quanto os pequenos.
"Eles têm uma
dificuldade semelhante, a pouca experiência com a vida política. De modo geral,
os adultos são desinformados. Muitos não compreendem a existência dos três
poderes nem a relação entre eles."
Para Ghanem, com deficiências nos colégios e no Estado, que não criam
condições para o desenvolvimento de opiniões fundamentadas, o jeito é
incentivar a busca por informações e o debate em casa.
A escola também tem um papel fundamental na formação de uma consciência crítica,
diz a professora do Instituto de Piscologia da USP Marilene Proença.
Ela explica que as
salas de aula são ideais para aprofundar a discussão, mostrar as raízes do
problema. "Assim saímos desse lugar do bem e do mal, do 'vermelhos versus
pretos'."
*foram usados nomes fictícios para as
crianças e suprimidos os sobrenomes dos pais de modo a preservar a identidade
dos menores.
Retirado do link :
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