Para Richard Louv, as crianças, cada vez mais confinadas, estão
sofrendo de "transtorno de déficit de natureza" com consequências
tais como obesidade infantil e falta de atenção
Dificuldade para concentrar-se,
redução do uso dos sentidos, excesso de peso, deficiência de vitamina D,
problemas psicológicos e emocionais. Eis alguns dos sintomas que podem
evidenciar um ‘transtorno de déficit de natureza’, termo cunhado pelo escritor
norte-americano Richard Louv no livro A
Última Criança na Natureza.
A obra, que já vendeu mais de
500 mil exemplares, se baseia em uma série de pesquisas e estudos para
mostrar os prejuízos de criar toda uma geração alienada dos ambientes
naturais e cada vez mais confinada. Segundo o autor, espaços verdes ao ar
livre promovem brincadeiras mais criativas, trazem mais interações positivas
entre crianças e adultos e aliviam até mesmo os sintomas do Transtorno de Déficit
de Atenção.
Em conversa com Carta Educação, o fundador da Children & Nature Network, que teve suas
obras traduzidas para mais de 13 línguas, falou sobre a urgência de reconectar
crianças e adultos ao mundo natural para uma vida mais saudável e aprendizagens
mais significativas.
“Em educação, para cada dólar gasto no virtual, deveríamos
gastar pelo menos outro no real. Pesquisadores têm sugerido que levar mais
verde para nossas escolas pode ser um dos mais eficientes métodos para
alavancar o desempenho dos alunos”, diz.
Carta Educação:
Em seus livros, o senhor
faz um alerta para a atual alienação que as crianças têm da natureza.
Quando isso começou? Quais são os sintomas dessa ausência?
Richard
Louv:
As pessoas têm passado a
maioria de suas atividades para dentro de casa desde a invenção da agricultura,
da Revolução Industrial e da contínua urbanização. As mudanças sociais e
tecnológicas que ocorreram nas últimas três décadas aceleraram essa tendência,
tanto em cidades quanto nas áreas rurais.
Entre as dificuldades que temos para nos conectar com a
natureza, destaco o design precário dos bairros, casas, escolas e locais de
trabalho, a “criminalização” da brincadeira livre, o medo de estranhos
amplificado pela mídia e os perigos reais existentes em alguns bairros.
As famílias, escolas e comunidades têm buscado cada vez mais o
seguro, criando ambientes “livres de risco”, mas que geram ameaças maiores
mais tarde. Eu não estou dizendo que não há perigos por aí, mas precisamos
pensar em termos de comparação.
Sim, existe perigo fora de casa, mas há riscos psicológicos,
físicos e espirituais maiores em criar toda uma geração sob uma prisão
domiciliar protetora. A obesidade infantil é apenas um deles.
CE: O
senhor cunhou o termo transtorno de déficit de natureza. O que é exatamente?
RL: Transtorno
de déficit de natureza, como eu defini no livro A Última Criança na Natureza,
não é um diagnóstico médico, mas um termo útil, uma metáfora, para descrever o
que muitos de nós acreditamos ser o
custo humano da alienação da natureza.
Entre eles, a redução da utilização dos nossos sentidos, a
dificuldade de atenção, taxas mais elevadas de doenças físicas e emocionais, um
aumento da taxa de obesidade infantil e adulta e deficiência de vitamina D. O
transtorno de déficit de natureza prejudica as crianças e adultos também.
CE: Qualquer humano – especialmente na
infância – precisa de contato com a natureza para se desenvolver e ficar
saudável?
RL: Pesquisas
que mostram isso têm se expandido muito nos últimos anos. Mas porque os
pesquisadores têm se dedicado a esse tópico relativamente há pouco tempo, a
maioria das evidências é correlativa, não causal – mas tendem a apontar para
uma direção: experiências no mundo natural parecem trazer grandes
benefícios para a saúde psicológica e física e para a capacidade de aprender de
crianças e adultos.
As pesquisas sugerem
fortemente que o tempo passado em meio à natureza pode ajudar as crianças a
aprender a ter confianças em si mesmas; reduzir os sintomas de Déficit de
Atenção e Hiperatividade; acalmá-las e ajudá-las a se concentrar. O
site The Children & Nature Network Web compilou um amplo acervo
de estudos, reportagens e publicações que estão disponíveis para visualização
online e download.
CE: Como o contato com a natureza está
ligado ao desempenho escolar?
RL:
Há indicações de que escolas com espaços para brincar com
natureza podem reduzir o bullying, a obesidade infantil e o excesso de
peso e trazem outros benefícios para a saúde psicológica e física. O tempo
despendido na natureza obviamente não cura tudo, mas pode ser de extrema ajuda,
especialmente para crianças que estão estressadas por circunstâncias que estão
fora de seu controle.
Um estudo que analisou 905 escolas públicas de nível primário em
Massachusetts mostrou notas mais altas nos testes padronizados de Inglês e
Matemática nas escolas que incorporaram mais natureza ao espaço. Em
paralelo, resultados preliminares de um estudo da University of Illinois com
mais de 500 escolas de Chicago, que ainda será publicado, mostram descobertas
parecidas, principalmente para estudantes com maiores necessidades de
aprendizagem. Com base nesse estudo, pesquisadores têm sugerido que levar mais
verde para nossas escolas pode ser um dos mais eficientes métodos para
alavancar o desempenho dos alunos.
CE: O senhor disse que a grande
“revolução” na Educação não são tablets ou computadores, mas jardins e parques.
Poderia explicar isso melhor?
RL: Enquanto
muitas escolas nos Estados Unidos estão indo na direção de ter menos movimento
físico e mais testes e horas dentro da sala de aula, uma tendência contrária
está crescendo por meio da criação de jardins e hortas escolares, espaços para
brincar com natureza e atividades que tiram as crianças das salas de aula e
usam o espaço natural como local de aprendizagem. Em educação, para cada
dólar gasto no virtual, deveríamos gastar pelo menos outro no real. Em última
análise, é preciso realizar uma mudança cultural profunda.
Precisamos incorporar a natureza à educação e seus benefícios à
formação dos professores. Precisamos valorizar os docentes que insistem em
expor seus alunos à ela, apesar da tendência no sentido contrário. Escolas e
professores, no entanto, não podem fazer tudo sozinhos. Pais, responsáveis por
elaborar políticas públicas e toda a comunidade precisam participar.
CE: O
senhor disse que quanto mais high-tech nos tornamos, de mais natureza
precisamos. Mas como conseguir isso se temos um número crescente de pessoas
vivendo em grandes cidades?
RL: Não
precisamos viajar para longe para encontrar natureza. Qualquer espaço verde irá
providenciar benefícios mentais e físicos de bem-estar. Em áreas urbanas, esse
contato com o meio natural pode ser encontrado em um parque, em um canto com
uma árvore ou, até mesmo, num lugar tranquilo com vista para o céu e as nuvens.
Conectar-se com a natureza deveria ser uma atividade diária e se planejarmos
nossas cidades – incluindo nossas casas, apartamentos, espaços de trabalho e
escolas – para estar em harmonia com a natureza e biodiversidade isso
poderia se tornar um padrão comum.
Isso não quer dizer que sou
anti-tecnologia. A tecnologia nos oferece uma série de benefícios. Mas essa
imersão eletrônica sem uma força para contrabalancear pode drenar nossa capacidade
de prestar atenção, pensar claramente, ser produtivo e criativo.
CE: Há alguma evidência mostrando que
crianças que vivem em zonas rurais são mais felizes ou saudáveis do que aquelas
vivendo em áreas urbanas?
RL:
É óbvio que a falta de acesso à
natureza é mais sentida pelas crianças das cidades populosas – mas nem sempre.
A vida no campo é necessariamente mais rica em natureza? Não, a não ser que a pessoa reconheça e valorize a natureza ao seu
redor. Em muitas zonas rurais, as crianças estão vivendo vidas tão conectadas e
estressadas quanto a das crianças das cidades.
Nos Estados Unidos, a
obesidade infantil atrelada ao estilo de vida sedentário está crescendo
rapidamente nas áreas rurais. Tendo dito
isso, quando a natureza é reconhecida, a vida fora das cidades pode trazer
grandes benefícios. Mas as pessoas não precisam nem devem se mudar para o campo
em número esmagador. Criar cidades ricas em natureza deveria ser a grande
prioridade.
CE: Transtornos
de atenção e hiperatividade podem ser tratados com um maior contato com a
natureza?
RL: Ótimas
pesquisas relacionam experiências no meio natural com a redução dos sintomas de
TDAH. Alguns dos trabalhos mais importantes nessa área foram feitos na
Human-Environment Research Laboratory at the University of Illinois por Andrea
Faber Taylor, Ming (Frances) Kuo e William C. Sullivan.
Em uma série de estudos, eles acharam que espaços verdes ao
ar livre promovem brincadeiras criativas, trazem mais interações positivas
entre crianças e adultos e aliviam os sintomas dos transtornos de déficit de
atenção. Quanto mais verde o cenário, maior o alívio. Por comparação,
atividades dentro de lugares fechados, como assistir TV ou em lugares abertos
mas pavimentados, sem verde, as prejudica.
CE: Como
começar essa mudança cultural visando uma maior conexão das crianças com o
mundo natural?
RL: Muitos
adultos estão dando um péssimo exemplo ficando cada vez mais dentro de casa,
com dispositivos eletrônicos, e, junto com seus filhos, enfrentando problemas
de saúde relacionados ao sedentarismo.
A maioria das crianças e jovens
simplesmente não sabe o que estão perdendo. Nunca é muito cedo – ou muito tarde
– para ensinar crianças e adultos a apreciar e se conectar com o mundo lá fora.
Mesmo em ambientes densamente urbanizados, a natureza muitas vezes pode ser
encontrada nas proximidades, em algum lugar da vizinhança. Levar as crianças
para fora de casa precisa ser um ato consciente por parte dos pais ou
cuidadores. Pais, professores, avós, tios, todos nós podemos passar mais tempo com
as crianças na natureza.
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