Malcomportadas e desafiadoras
Crianças e adolescentes reservados e
educados, com boas notas e
integrados, podem ser agressores.
Os sinais são discretos, mas
um olhar atento pode detectá-los. E aceitar e levar o problema a sério é essencial para o resolver.
Normalmente, começa com um telefonema, da professora ou
diretora de turma, que pede para os pais irem a uma reunião na
escola.
E na reunião chega a notícia que
nenhum pai ou mãe
gostaria de ouvir e na qual, frequentemente, não acredita: estão
ali porque a criança anda a praticar bullying, que é como quem
diz, a ser violenta física ou
psicologicamente, de forma intencional e
repetida, a um ou mais colegas.
E, nesses casos, os pais recusam‑se muitas vezes a acreditar
que o filho – que é
bom aluno, bem‑comportado no ambiente de
casa, que foi educado
com princípios e ao qual dedicam tanto
tempo e afeto– possa
fazer isso.
Os pais têm mais facilidade em aceitar que um filho é vítima do que
agressor. Luís Fernandes, psicólogo educacional da Sementes de
Vida – Associação de Apoio à Vítima e coautor do
livro Cyberbullying,
Um Guia para Pais e Educadores, percebe a incredulidade de muitos
pais.
“Há casos em que,
quando conhecemos os pais, percebemos
perfeitamente de onde
vem o comportamento agressivo dos
filhos:
Os traços de violência estão nos pais e os
miúdos
absorveram‑nos.
Mas nem sempre é assim. Há casos em que
nitidamente a
educação que foi dada àquele miúdo não o devia
predispor a
ter esse tipo de
comportamento.”
E, nesses casos, os pais recusam‑se muitas vezes a acreditar que
o filho – que é bom aluno, bem‑comportado
no ambiente de casa,
que foi educado com princípios e
ao qual dedicam tanto tempo e
afeto – possa fazer isso. “Ele
nunca faria isso”, dizem quase sempre.
Só que faz. E a resposta está num comportamento que, não sendo
exclusivo dos adolescentes, faz‑se sentir muito nestas idades: o
síndroma da matilha.
Na adolescência, as relações com os amigos têm um peso muito
grande, e, independentemente da
educação em casa e da relação
com os pais, nesta fase, é muito
importante para eles sentirem‑se
integrados num grupo. “Se o líder
do grupo que querem integrar os
desafia a incomodar outros mais fracos, muitas vezes eles alinham”
, explica o psicólogo.
Há muitos sintomas, amplamente divulgados, de que uma criança
Há muitos sintomas, amplamente divulgados, de que uma criança
pode estar a ser vítima de bullying –
tristeza, isolamento,
descida de notas,
falta de vontade de ir para a escola.
Tiago Andrade, estudante no ensino superior, hoje com 21 anos,
não teme admitir que entre os 10 e os 13 anos tinha este tipo de
comportamento. E, ao contrário de muita gente que olhando para trás
terá tendência a chamar‑lhes
“coisas sem importância de miúdos”,
não teme chamar as coisas pelos nomes: “Praticava bullying com
alguns colegas de turma, sim. Nunca houve agressões físicas,
mas havia agressões psicológicas
a colegas que não faziam parte do
grupo e eram mais frágeis ou
estavam em situação de v
ulnerabilidade.”
Hoje, olhando para trás, não consegue perceber o que o levava a
ter esse comportamento que, de resto, se lembra que encarava como
normal. “Acho que sentia que era
superior a eles, mas agora que
penso nisso, estava só a ser
inferior, porque precisava de os atacar
para me sentir assim.” À
distância, olha para as suas próprias
atitudes com desdém e arrepende‑se.
“Não ganhei nada com
o que fiz e sei que causei muito
sofrimento a algumas
pessoas.
Gostava de mudar isso e ter dado um melhor exemplo às pessoas à
minha volta, que eram obviamente influenciadas para também
fazer bullying.” Como os ataques
não envolviam violência física e
Tiago era uma criança bem‑comportada tudo isto passou na altura
sem ser detetado por ninguém.
“Parei de ter este tipo de
comportamento pelos 13 anos sem que pais, professores e
funcionários tenham dado conta de
alguma coisa.”
Há muitos sintomas, amplamente divulgados, de que uma criança
pode estar a ser vítima de bullying – tristeza, isolamento,
descida de
notas, falta de vontade de ir para a escola. Já os sinais de que
pode ser um agressor são menos evidentes.
Ainda assim, Inês Freire de Andrade,
vice‑presidente e
formadora da Associação No Bully
Portugal, que leva a cabo
programas de sensibilização e
prevenção nas escolas, conta que
há sinais aos quais os pais podem estar atentos, uma vez que
são indicativos de uma probabilidade maior de os filhos estarem a ter
este tipo de comportamentos.
É fácil apontar o dedo aos bullies e critica‑los pelo comportamento
É fácil apontar o dedo aos bullies e critica‑los pelo comportamento
errado que têm. Menos fácil, mas necessário, é desafiar preconceitos
simplistas e uma visão a preto e
branco do fenómeno.
A agressividade
generalizada seja física, verbal ou relacional,
com outros jovens ou
com os adultos, da mesma forma que
identificar esta tendência no círculo de amigos dos filhos
também pode ser preditivo desse comportamento.
“Existe
também a tendência dos bullies não
seguirem as regras formais
ou sociais.
Se os pais perceberem que o filho tem dinheiro ou
pertences
novos que não conseguem explicar de onde vêm,
têm de
considerar que podem tê‑los
roubado a colegas, que também é
uma forma de bullying”,
explica a
responsável.
Estes são os sinais mais evidentes, mas há outros mais subtis.
Como o bullying é um fenómeno social que surge
de um
desequilíbrio de
“poder” – seja ele por diferenças físicas, de
capacidade
intelectual ou popularidade, “se os jovens mostrarem
uma preocupação fora do normal acerca da sua
reputação,
estatuto social ou
popularidade, poderão também estar a praticar
bullying de
forma a obter tudo isto”.
Por fim, como o bullying envolve sempre a ausência de empatia
pelas
vítimas, a falta de empatia
generalizada para com os outros pode ser
sintomática de que a criança está
ou pode vir a estar envolvida nesta
prática.
É fácil apontar o dedo aos bullies e criticá‑los pelo comportamento
errado que têm. Menos fácil, mas
necessário, é desafiar preconceitos
simplistas e uma visão a preto e branco do fenómeno. Uma das
conclusões a que muitos estudos e observações empíricas já
chegaram é que, frequentemente, vítima e agressor são a mesma
pessoa, com o conceito de vítima‑agressora a ser cada vez mais
usado neste campo de estudo.
A vítima agressora é alguém que,
como forma de
compensação pelos maus‑tratos que sofre,
procura outra vítima
mais frágil para cometer também ela
agressões.
“Há muitos miúdos vítimas de bullying que se tornam agressores
no âmbito do cyberbullying. Não têm competências interpessoais
para confortar presencialmente o
agressor, mas conseguem
facilmente transforma‑se em ciberagressores porque são inteligentes,
têm competências a nível tecnológico e podem esconder‑se atrás de
um ecrã”, explica Luís Fernandes.
E o cyberbullying é uma terra de ninguém. Porque se no contexto de
bullying há adultos, seja na
escola, em casa ou na rua, que
supervisionam, de forma formal ou informal, e que podem detetar a
situação, intervir e dar o alerta, no caso
do cyberbullying não.
Não há ninguém que supervisione o que está a
acontecer online em
tempo real, até porque, como alerta o psicólogo Luís Fernandes,
“miúdos são nativos digitais e os pais emigrantes digitais”. Ou seja,
os mais pequenos têm
frequentemente mais competências
tecnológicas do que os pais.
Se os bullies são tendencialmente crianças com baixa ou alta
autoestima não se sabe bem: os estudos não são consensuais.
Alguns apontam para o facto de a
agressão ser um reflexo de
insegurança e de autoestima
baixa, outros apontam para miúdos
que se acham a última coca‑cola no deserto e tão acima dos outros
que têm o direito de fazer o que
lhes apetece.
Mas seja qual for a autoperceção, a motivação passa quase sempre
pela autoafirmação. Por isso, Tiago Andrade não
quer terminar a
conversa sem deixar um conselho aos
jovens bullies:
“A necessidade de
fazer bullying passa por querer um estatuto de
superioridade dentro
do grupo, mas esse estatuto é conseguido
pelo medo e não pelo mérito. Há outras
maneiras, positivas,
de liderar grupos.
Por exemplo, ajudando os outros, em vez de
os prejudicar.
”
Quer no bulliyng quer no cyberbullying, há esquemas cada vez
Quer no bulliyng quer no cyberbullying, há esquemas cada vez
mais elaborados. Muitos miúdos
arranjam quem “suje as mãos
por eles”: o cabecilha do esquema
de bullying é autor moral, mas
não executa.
Luís Fernandes, psicólogo educacional da Sementes de Vida –
Associação
de Apoio à Vítima e coautor do livro Cyberbullying, Um
Guia para
Pais e Educadores, confessa que só os anos de experiência
que já leva a lidar com agressores lhe permite
entrar na cabeça deles
. “Os
esquemas são cada vez mais refinados, temos de conseguir
pensar
como eles, caso contrário, andamos sempre a correr atrás d
o
prejuízo: quando estamos habilitados a lidar com as coisas de uma
forma, já
eles estão muito mais à frente nas estratégias.”
E deixa
um caso: “Tive um miúdo que instigava outros a molestarem
física e psicologicamente a vítima e ficava
apenas a ver.
Fazia
mais: quando via que um auxiliar na escola detetava a situação,
saía do papel de observador e ia acalmar os
ânimos. Nos relatórios
ficava mencionado como o miúdo que fora
essencial na resolução
do conflito,
quando, na realidade, tinha sido ele a instiga‑lo.
” Quando
o psicólogo lhe perguntou como escolhia os miúdos que
agredia
respondeu: “Conhece o quadro de honra? Parece a ementa
Retirado do link:
https://www.noticiasmagazine.pt/2018/bullying-filho-agressor/
https://www.noticiasmagazine.pt/2018/bullying-filho-agressor/
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