segunda-feira, 18 de março de 2019

Bullying: quando o seu filho é o agressor


  Malcomportadas e desafiadoras


                            
 Crianças e adolescentes reservados e educados, com boas notas e
 integrados, podem ser agressores. Os sinais são discretos, mas
um olhar atento pode detectá-los. E aceitar e levar o problema a sério  é essencial para o resolver.

Normalmente, começa com um telefonema, da professora ou
diretora de turma, que pede para os pais irem a uma reunião na
 escola.

 E na reunião chega a notícia que nenhum pai ou mãe
gostaria de ouvir e na qual, frequentemente, não acredita: estão
ali porque a criança anda a praticar bullying, que é como quem
 diz, a ser violenta física ou psicologicamente, de forma intencional e
 repetida, a um ou mais colegas.

 
E, nesses casos, os pais recusam‑se muitas vezes a acreditar
que o filho – que é bom aluno, bem‑comportado no ambiente de
casa, que foi educado com princípios e ao qual dedicam tanto
tempo e afeto– possa fazer isso.

Os pais têm mais facilidade em aceitar que um filho é vítima do que
agressor. Luís Fernandes, psicólogo educacional da Sementes de
Vida – Associação de Apoio à Vítima e coautor do livro Cyberbullying, 
Um Guia para Pais e Educadores, percebe a incredulidade de muitos
 pais.

“Há casos em que, quando conhecemos os pais, percebemos
perfeitamente de onde vem o comportamento agressivo dos
filhos:
 Os traços de violência estão nos pais e os miúdos
absorveram‑nos.
 Mas nem sempre é assim. Há casos em que nitidamente a
educação  que foi dada àquele miúdo não o devia predispor a
ter esse tipo de comportamento.”

E, nesses casos, os pais recusam‑se muitas vezes a acreditar que
 o filho – que é bom aluno, bem‑comportado no ambiente de casa,
 que foi educado com princípios e ao qual dedicam tanto tempo e
 afeto – possa fazer isso. “Ele nunca faria isso”, dizem quase sempre.
Só que faz. E a resposta está num comportamento que, não sendo
exclusivo dos adolescentes, faz‑se sentir muito nestas idades: o
síndroma da matilha.

Na adolescência, as relações com os amigos têm um peso muito
 grande, e, independentemente da educação em casa e da relação
 com os pais, nesta fase, é muito importante para eles sentirem‑se
 integrados num grupo. “Se o líder do grupo que querem integrar os
desafia a incomodar outros mais fracos, muitas vezes eles alinham”
, explica o psicólogo.
Há muitos sintomas, amplamente divulgados, de que uma criança
 pode estar a ser vítima de bullying – tristeza, isolamento,
descida de notas, falta de vontade de ir para a escola.

Tiago Andrade, estudante no ensino superior, hoje com 21 anos,
não teme admitir que entre os 10 e os 13 anos tinha este tipo de
comportamento. E, ao contrário de muita gente que olhando para trás
 terá tendência a chamar‑lhes “coisas sem importância de miúdos”,
não teme chamar as coisas pelos nomes: “Praticava bullying com
alguns colegas de turma, sim. Nunca houve agressões físicas,
 mas havia agressões psicológicas a colegas que não faziam parte do
 grupo e eram mais frágeis ou estavam em situação de v
ulnerabilidade.”

Hoje, olhando para trás, não consegue perceber o que o levava a
ter esse comportamento que, de resto, se lembra que encarava como
 normal. “Acho que sentia que era superior a eles, mas agora que
 penso nisso, estava só a ser inferior, porque precisava de os atacar
 para me sentir assim.” À distância, olha para as suas próprias
atitudes com desdém e arrepende‑se.

“Não ganhei nada com o que fiz e sei que causei muito
sofrimento a algumas pessoas.

Gostava de mudar isso e ter dado um melhor exemplo às pessoas à
minha volta, que eram obviamente influenciadas para também
 fazer bullying.” Como os ataques não envolviam violência física e
Tiago era uma criança bem‑comportada tudo isto passou na altura
 sem ser detetado por ninguém. “Parei de ter este tipo de
comportamento pelos 13 anos sem que pais, professores e
 funcionários tenham dado conta de alguma coisa.”

Há muitos sintomas, amplamente divulgados, de que uma criança
pode estar a ser vítima de bullying – tristeza, isolamento, descida de
notas, falta de vontade de ir para a escola. Já os sinais de que
pode ser um agressor são menos evidentes.
 Ainda assim, Inês Freire de Andrade, vice‑presidente e
 formadora da Associação No Bully Portugal, que leva a cabo
 programas de sensibilização e prevenção nas escolas, conta que
há sinais aos quais os pais podem estar atentos, uma vez que
são indicativos de uma probabilidade maior de os filhos estarem a ter
este tipo de comportamentos.
É fácil apontar o dedo aos bullies e critica‑los pelo comportamento
errado que têm. Menos fácil, mas necessário, é desafiar preconceitos
 simplistas e uma visão a preto e branco do fenómeno.

A agressividade generalizada seja física, verbal ou relacional,
com outros jovens ou com os adultos, da mesma forma que
identificar  esta tendência no círculo de amigos dos filhos
 também pode ser preditivo desse comportamento. “Existe
 também a tendência dos bullies não seguirem as regras formais
ou sociais.
 Se os pais  perceberem que o filho tem dinheiro ou pertences
 novos que não conseguem explicar de onde vêm, têm de
considerar que podem tê‑los roubado a colegas, que também é
 uma forma de bullying”,
explica a responsável.

Estes são os sinais mais evidentes, mas há outros mais subtis.
 Como o bullying é um fenómeno social que surge de um
desequilíbrio de “poder” – seja ele por diferenças físicas, de
capacidade intelectual ou popularidade, “se os jovens mostrarem
 uma preocupação fora do normal acerca da sua reputação,
estatuto social ou popularidade, poderão também estar a praticar
 bullying de forma a obter tudo isto”.

Por fim, como o bullying envolve sempre a ausência de empatia pelas
 vítimas, a falta de empatia generalizada para com os outros pode ser
 sintomática de que a criança está ou pode vir a estar envolvida nesta
prática.

É fácil apontar o dedo aos bullies e criticá‑los pelo comportamento
 errado que têm. Menos fácil, mas necessário, é desafiar preconceitos
simplistas e uma visão a preto e branco do fenómeno. Uma das
conclusões a que muitos estudos e observações empíricas já
chegaram é que, frequentemente, vítima e agressor são a mesma
pessoa, com o conceito de vítima‑agressora a ser cada vez mais
usado neste campo de estudo.

 A vítima agressora é alguém que,
como forma de compensação pelos maus‑tratos que sofre,
procura outra vítima mais frágil para cometer também ela
agressões.

“Há muitos miúdos vítimas de bullying que se tornam agressores
no âmbito do cyberbullying. Não têm competências interpessoais
 para confortar presencialmente o agressor, mas conseguem
facilmente transforma‑se em ciberagressores porque são inteligentes,
têm competências a nível tecnológico e podem esconder‑se atrás de
um ecrã”, explica Luís Fernandes.

E o cyberbullying é uma terra de ninguém. Porque se no contexto de
 bullying há adultos, seja na escola, em casa ou na rua, que
supervisionam, de forma formal ou informal, e que podem detetar a
situação, intervir e dar o alerta, no caso do cyberbullying não.
Não há ninguém que supervisione o que está a acontecer online em
tempo real, até porque, como alerta o psicólogo Luís Fernandes,
“miúdos são nativos digitais e os pais emigrantes digitais”. Ou seja,
 os mais pequenos têm frequentemente mais competências
tecnológicas do que os pais.

Se os bullies são tendencialmente crianças com baixa ou alta
autoestima não se sabe bem: os estudos não são consensuais.
 Alguns apontam para o facto de a agressão ser um reflexo de
 insegurança e de autoestima baixa, outros apontam para miúdos
que se acham a última coca‑cola no deserto e tão acima dos outros
 que têm o direito de fazer o que lhes apetece.

Mas seja qual for a autoperceção, a motivação passa quase sempre
pela autoafirmação. Por isso, Tiago Andrade não quer terminar a
conversa sem deixar um conselho aos jovens bullies:

“A necessidade de fazer bullying passa por querer um estatuto de
superioridade dentro do grupo, mas esse estatuto é conseguido
 pelo medo e não pelo mérito. Há outras maneiras, positivas,
de liderar grupos. Por exemplo, ajudando os outros, em vez de
os prejudicar.

Quer no bulliyng quer no cyberbullying, há esquemas cada vez
mais elaborados. Muitos miúdos arranjam quem “suje as mãos
por eles”: o cabecilha do esquema de bullying é autor moral, mas
não executa.

Luís Fernandes, psicólogo educacional da Sementes de Vida –
Associação de Apoio à Vítima e coautor do livro Cyberbullying, Um
Guia para Pais e Educadores, confessa que só os anos de experiência
 que já leva a lidar com agressores lhe permite entrar na cabeça deles
. “Os esquemas são cada vez mais refinados, temos de conseguir
pensar como eles, caso contrário, andamos sempre a correr atrás d
o prejuízo: quando estamos habilitados a lidar com as coisas de uma
forma, já eles estão muito mais à frente nas estratégias.”

E deixa um caso: “Tive um miúdo que instigava outros a molestarem
 física e psicologicamente a vítima e ficava apenas a ver.
Fazia mais: quando via que um auxiliar na escola detetava a situação,
 saía do papel de observador e ia acalmar os ânimos. Nos relatórios
 ficava mencionado como o miúdo que fora essencial na resolução
do conflito, quando, na realidade, tinha sido ele a instiga‑lo.
” Quando o psicólogo lhe perguntou como escolhia os miúdos que
agredia respondeu: “Conhece o quadro de honra? Parece a ementa


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