A fobia escolar de Lívia, de 12 anos, chegou ao ponto de a menina não conseguir segurar um lápis
O uniforme, os livros, o caderno, tudo a fazia
passar mal. Suava, entrava em pânico, dizia que era melhor morrer. Ameaçou se
jogar da janela e pular de um carro em movimento.
A menina foi alvo de bullying
em vários momentos da vida, até desenvolver uma grave depressão no ano passado,
conta a mãe, a pedagoga Maria Clara, os nomes foram trocados para preservar a
identidade das duas.
Após
os pensamentos suicidas, a menina foi afastada da escola por recomendação
médica e perdeu os anos letivos de 2016 e 2017.
O bullying, segundo
especialistas, afeta não somente a criança e o adolescente, mas também suas
famílias e, em casos mais graves, deixa marcas por toda a vida.
No ano passado , um estudante
atirou contra colegas em uma escola em Goiânia e matou dois deles. Ele
disse ter sido vítima de bullying, o que reacendeu o debate sobre o tema.
No caso de Lívia, o
preconceito racial foi um componente importante. Ela é negra e foi adotada por
pais de classe média alta em Belo Horizonte. Em dois anos, passou por quatro
colégios. Alguns de elite, com maioria branca, e outros mais diversos, onde o
problema persistiu.
"A
sociedade é tão racista que basta a criança ser um pouco mais clara para se
achar no direito de chamar o mais escuro de macaco, gorila", conta Maria.
Lívia
foi hostilizada e agredida fisicamente. Ninguém queria fazer trabalhos com ela
nem a convidava para atividades. "Talvez eu nunca saiba direito o que
aconteceu com a minha filha na escola. Muita coisa ela fez questão de
esquecer", diz a mãe.
Além da exclusão em sala, a
menina foi atacada por mensagens na internet, que incluíam incitação ao
suicídio.
De acordo com especialistas, o
cyberbullying pode ser ainda mais danoso. "É pior, porque nem no fim de
semana a criança consegue escapar", diz a pedagoga Cleo Fante, autora do
livro "Fenômeno Bullying".
Os
primeiros sintomas da depressão de Lívia apareceram em 2016: irritabilidade,
desânimo, falhas na memória e dificuldade de concentração. Dois meses depois,
após ser chamada repetidas vezes de "monstro", ela deu um tapa em uma
menina.
Depois
disso, não conseguiu mais retornar ao colégio. A depressão se agravou. Vieram
as ameaças de suicídio, a fobia escolar. A menina passou 40 dias sem sair de
casa, trancada em um quarto.
"Nesse
momento veio também à compulsão alimentar. Ela engordou 17 quilos em um
mês", conta a mãe. Hoje Lívia está estável, mas toma quatro remédios, faz
terapia três vezes por semana e tem aulas particulares em casa, para tentar
vencer o medo.
Em muitos casos, as
consequências do bullying aparecem com mais força na vida adulta. O eletricista
Marcos, 30, cujo nome também foi trocado, largou a escola por não suportar a
perseguição.
Ele faz tratamento para
depressão e tentou se suicidar. "Foram várias tentativas, mas amigos
conseguiram me impedir. Com a psicóloga, notei que isso vem desde a infância,
pelo bullying", conta ele, que levava chutes, socos e tapas no colégio, no
interior de Minas Gerais.
Atualmente, os remédios
psiquiátricos dificultam o trabalho de eletricista .ele não pode usar certas
máquinas, como furadeiras. Assim como Lívia, Marcos é negro e diz que a questão
racial foi um dos motivos para o bullying. "Não adiantou mudar de escola,
a perseguição continuava."
Para Lucas, que também pediu
para não ser identificado, trocar de colégio ajudou. Mesmo assim, o bullying
teve consequências graves.
Com 25 anos, o produtor faz
terapia e já teve crises de ansiedade. Lucas diz que o bullying na escola, em
Goiânia, tinha motivação homofóbica.
"Era empurrado,
intimidado. As professoras fingiam não ver esse bullying homofóbico, para ver
se a criança 'se corrigia'", diz. A experiência o deixou com um profundo
medo de rejeição, o que prejudica sua autoestima e relacionamentos atuais.
A
especialista em neuropsicologia Nadia Bossa afirma que o bullying pode afetar a
saúde física e mental. "É uma situação de extrema tensão, que provoca um
desequilíbrio celular e psíquico. As consequências disso ao longo do tempo são
severas", explica.
Lucas lembra ainda que, se
reclamasse com adultos, a situação piorava. "Os alunos ameaçavam me
bater", diz.
"Contar para o adulto
pode ser um terror, por isso eles param de contar. A ação dos próprios alunos é
75% mais eficaz do que a intervenção de adultos. O colega, que está de
espectador, pode falar: 'Para, nada a ver isso'", explica a pedagoga Telma
Vinha, professora da Unicamp.
O advogado Alexandre Saldanha,
33, passou pela mesma experiência de contar para uma diretora e se arrepender.
Ele afirma ter superado os dez anos de perseguição na escola ao se tornar um
especialista no tema.
O curitibano começou a estudar
o bullying na faculdade e hoje dá palestras, lidera grupos de apoio e processa
colégios na Justiça. "Só sendo
obrigadas a pagar indenizações que as escolas vão se preocupar com a
prevenção", diz.
O promotor e assessor em
educação do Ministério Público de SP, Antonio Carlos Ozório Nunes, afirma que é
preciso cuidado com a judicialização do problema. "Primeiro os pais devem
esgotar todas as possibilidades de diálogo com a escola. A solução deve ser
mais pedagógica", afirma.
Alexandre
conta que foi perseguido durante toda a vida por ser "gordinho e
desajeitado". A falta de coordenação motora era resultado de uma paralisia
branda de um lado do corpo.
Ele
mudou de escola sete vezes, mas os apelidos de "aberração",
"coisa" e "Gardenal" o seguiram. Aos poucos, Alexandre se
tornou introspectivo, acuado. Passava o recreio na biblioteca, lendo, para
fugir dos agressores.
"Não
era por incapacidade minha de socializar ou de lidar com a frustração, como
dizem algumas pessoas. Era incapacidade de lidar com a humilhação todos os
dias."
Especialistas alertam que,
nesses casos, é importante acolher a vítima, e não culpá-la. "Ela não é
responsável pelo bullying. Há crianças que são um alvo frágil, por isso se
trabalha a autoestima, a assertividade, mas sem culpabilizar", diz Vinha,
da Unicamp.
Por ser um alvo recorrente,
Alexandre conta que sentia muita raiva. Mas conseguiu, segundo ele, dar vazão
aos sentimentos por meio de música, poesia, desenho e o esporte. "É normal
sentir raiva, mas é o que você faz com isso que importa", defende.
Na
vida adulta, ele afirma que ajudar vítimas de bullying foi a sua forma de
seguir adiante e "se curar". "O bullying foi o período mais
escuro da minha vida, mas hoje eu encontrei o meu caminho."
-
ENTENDA
Como identificar o bullying e o que fazer
Como identificar o bullying e o que fazer
Bullying X
conflito
No bullying, os ataques são
intencionais, repetitivos e têm como objetivo maltratar e humilhar; não há
justificativa evidente para as agressões. Ele é realizado entre pares –ou seja,
entre alunos, mas com uma desigualdade de poder– e na presença de 'espectadores'
Vítimas mais
comuns
Quem é considerado mais
frágil, seja pela renda, orientação sexual, religião, origem, cor ou aparência.
Pessoas tímidas ou com baixa autoestima também são alvos, assim como alunos que
se destacam por coisas positivas, como beleza e boas notas
*
COMO IDENTIFICAR
Possíveis sinais de que a criança sofre bullying
Possíveis sinais de que a criança sofre bullying
Na escola
- Mostra-se triste frequentemente
- É a última a ser escolhida em atividades e fica isolada ou perto de adultos no recreio
- Tem piora nas notas
- Anda com ombros encurvados, cabeça baixa e não olha no olho
- Mostra-se triste frequentemente
- É a última a ser escolhida em atividades e fica isolada ou perto de adultos no recreio
- Tem piora nas notas
- Anda com ombros encurvados, cabeça baixa e não olha no olho
Em casa
- Usa desculpas para faltar à aula
- Tem mudanças extremas de humor
- Gasta mais dinheiro que o habitual na cantina para dar lanche aos outros
- Aparece com hematomas após a aula
- Usa desculpas para faltar à aula
- Tem mudanças extremas de humor
- Gasta mais dinheiro que o habitual na cantina para dar lanche aos outros
- Aparece com hematomas após a aula
*
COMO AGIR
O que a escola
deve fazer?
- Capacitar funcionários e orientar pais
- Explicar as consequências, para que alunos não achem graça
- Estar junto no recreio para criar confiança
- Acionar os pais e discutir soluções, ouvindo a opinião da vítima
- Em casos graves, acionar autoridades
- Capacitar funcionários e orientar pais
- Explicar as consequências, para que alunos não achem graça
- Estar junto no recreio para criar confiança
- Acionar os pais e discutir soluções, ouvindo a opinião da vítima
- Em casos graves, acionar autoridades
O que os pais
devem fazer?
- Observar os filhos
- Acionar a escola e discutir soluções
- Não dizer coisas do tipo "ignore" ou "não ligue"
- Estimulá-los a perceber suas habilidades para resgatar a autoestima
- Se preciso, buscar a ajuda de psicólogos
- Observar os filhos
- Acionar a escola e discutir soluções
- Não dizer coisas do tipo "ignore" ou "não ligue"
- Estimulá-los a perceber suas habilidades para resgatar a autoestima
- Se preciso, buscar a ajuda de psicólogos
Como proceder com
o agressor?
- Repreender suas ações e mostrar o mal que ele está causando ao outro
- Fazer com que ele conserte o dano causado
- Trabalhar valores como respeito às diferenças
- Repreender suas ações e mostrar o mal que ele está causando ao outro
- Fazer com que ele conserte o dano causado
- Trabalhar valores como respeito às diferenças
Fontes: Cartilhas
do CNJ e do Ministério Público e especialistas
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