Dica de beleza
Vanessa Martins, 33, acorda às 4h20 da manhã, pega um fretado em Guarulhos e vai para o trabalho na Barra Funda. Maria das Graças, 40, levanta-se cedo e ajuda os dois filhos a se arrumarem para a escola. As duas são independentes, mas sempre precisaram de uma ajudinha extra em um quesito: na hora de fazer a própria maquiagem.
A vida
privada de deficientes visuais e suas possíveis dificuldades muitas vezes
passam ao largo – já que questões como acessibilidade são mais perceptíveis–,
mas não são menos importantes.
"Sempre senti falta de passar
maquiagem", diz Vanessa. Formada em serviço social, a recepcionista da
Laramara (Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual)
tem limitações de visão desde que nasceu. A condição piorou após um quadro de
catarata e descolamento de retina.
Com o
pouco que enxerga, tentar se maquiar não era algo plausível –até ela entrar em
um curso da instituição em que trabalha.
"Cada dia eu vou aprendendo um
pouquinho do meu rosto. Já me sinto bem mais segura em usar a base, o pó e o
blush", conta.
O curso na Laramara é gratuito e realizado
em parceria com a rede de salões de beleza Jacques Janine. A Vult Cosmética
também ajuda com a doação de produtos e kits de maquiagem às alunas.
Chloé Gaya, maquiadora da empresa, criou
uma técnica a partir de orientações da instituição. Para entender melhor a
situação das mulheres com problemas de visão, os maquiadores começaram a usar
vendas nos olhos na hora de se maquiarem.
"A ideia surgiu no ano passado, das
próprias alunas que frequentam a instituição", diz Chloé. "Temos que
explicar de uma maneira mais descritiva e detalhada."
Para
delimitar a área que vai receber o blush, por exemplo, as maquiadoras ensinam a
colocar três dedos na maçã do rosto, um deles bem próximo ao nariz, e passar o
produto acima das unhas.
Uma das
referências para o trabalho desenvolvido foi a britânica com deficiência visual
Lucy Edwards, que tem um canal no YouTube (YesterdaysWishes) no qual dá dicas
de maquiagem.
PEQUENOS
DESAFIOS
Longe
de uma obrigação, a maquiagem significa também uma forma de se divertir para as
duas mulheres. "Eu acho uma
terapia, porque a gente brinca com as cores. Que cor eu vai combinar hoje? É
gostoso", diz Maria.
Em meio
a tudo isso, a autoestima sai ganhando, afirma Nelma Meo, gestora da Laramara.
Ao fim
de tudo, a maquiagem é um detalhe a mais na vida agitada dessas mulheres.
"Gosto de sair, viajar, ir ao cinema, ao teatro. Eu e meu marido já fomos
para Rio, Florianópolis, Pernambuco", conta Vanessa.
A
maquiagem acabou sendo também mais um desafio a ser vencido no dia a dia.
"Quando pessoas que não conhecem bem a
deficiência vêm na minha casa e comem um bolo, elas acham que comprei pronto.
Não imaginam que somos capazes. Tem gente que fica paralisada olhando",
diz Maria.
Ela
nasceu com glaucoma congênita (aumento da pressão intraocular). A visão foi
perdida quando sofreu um assalto aos 18 anos. Após o episódio, nada conseguia
diminuir a pressão no olho.
"Pensei que o mundo tinha acabado para
mim. Não ia poder mais estudar, não ia poder fazer mais nada."
Alguns
anos depois, Maria já sabia ler e escrever em braille, fez cursos de espanhol e
informática e pretende fazer uma faculdade. Viu no curso de maquiagem mais uma
possibilidade de ampliar a independência.
"Antes, quando eu queria me maquiar,
eu precisava chamar uma sobrinha, minha mãe, uma amiga para me ajudar",
diz.
Agora
Maria nomeou todas as cores do estojo de maquiagem em braille, o que facilita
as combinações de tons, na maior parte das vezes aplicada com os dedos, uma
preferência dela.
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