Jovem com Microcefalia mostra que em alguns casos da muito bem
para viver com esta síndrome
Ana Carolina Cáceres, de 24 anos, moradora de Campo
Grande (MS), desafiou todos os limites da microcefalia previstos por médicos.
Eles esperavam que ela não sobrevivesse. Hoje, Ana tem 24 anos. Neste
depoimento, ela defende uma discussão informada sobre o aborto.
"Quando
li a reportagem sobre a ação que pede a liberação do aborto em caso de
microcefalia no Supremo Tribunal Federal (STF), levei para o lado pessoal. Senti-me ofendida. Senti-me atacada.
No dia em que nasci, o médico falou que eu
não teria nenhuma chance de sobreviver. Tenho microcefalia, meu crânio é menor
que a média.
O doutor falou: 'ela não vai andar, não vai
falar e, com o tempo, entrará em um estado vegetativo até morrer'.
Ele - como muita gente hoje - estava
errado.
Meu pai conta que comecei a andar de
repente. Com um aninho, vi um cachorro passando e levantei para ir atrás dele.
Cresci, fui à escola, me formei e entrei na universidade. Hoje eu sou
jornalista e escrevo em um blog.
Escolhi
este curso para dar voz a pessoas que, como eu, não se sentem representadas.
Queria ser uma porta-voz da microcefalia e, como projeto final de curso,
escrevi um livro sobre minha vida e a de outras 5 pessoas com esta síndrome
(microcefalia não é doença, tá? É síndrome!).
Com a
explosão de casos no Brasil, a necessidade de informação é ainda mais
importante e tem muita gente precisando superar preconceitos e se informar
mais. O ministro da Saúde, por exemplo.
Ele
disse que o Brasil terá uma 'geração de sequelados' por causa da microcefalia.
Se estivesse na frente dele, eu diria: 'Meu
filho, mais sequelada que a sua frase não dá para ser, não'.
Porque a microcefalia é uma caixinha de
surpresas. Pode haver problemas mais sérios, ou não.
Acho que quem opta pelo aborto não dá nem
chance de a criança vingar e sobreviver, como aconteceu comigo e com tanta
gente que trabalha, estuda, faz coisas normais - e tem microcefalia.
As mães
dessas pessoas não optaram pelo aborto. É por isso que nós existimos.
Não é
fácil, claro. Tudo na nossa casa foi uma batalha. Somos uma família humilde,
meu pai é técnico de laboratório e estava desempregado quando nasci. Minha mãe,
assistente de enfermagem, trabalhava num hospital, e graças a isso nós tínhamos
plano de saúde.
A gente
corta custos, economiza, não gasta com bobeira. Nossa casa teve que esperar
para ser terminada: uma parte foi levantada com terra da rua para economizar e
até hoje tem lugares onde não dá para pregar um quadro, porque a parede
desmancha.
O plano
cobriu algumas coisas, como o parto, mas outros exames não eram cobertos e eram
muito caros. A família inteira se reuniu – tio, tia, gente de um lado e do
outro, e cada um deu o que podia para conseguir o dinheiro e custear testes e
cirurgias.
No total, foram cinco operações. A primeira
com nove dias de vida, para correção da face, porque eu tinha um afundamento e
por causa dele não respirava.
Durante toda a infância também tive
convulsões. É algo que todo portador de microcefalia vai ter - mas, calma, tem
remédios que controlam. Eu tomava Gardenal e Tegretol até os 12 anos - depois
nunca mais precisei (e hoje sei até tocar violino!).
Depois
da raiva, lendo a reportagem com mais calma, vi que o projeto que vai ao
Supremo não se resume ao aborto.
Eles querem que o governo erradique o
mosquito, dê mais condições para as mães que têm filhos como eu e que tenha uma
política sexual mais ampla - desde distribuição de camisinhas até o aborto.
Isso me
acalmou. Eu acredito que o aborto sozinho resolveria só paliativamente o
problema e sei que o mais importante é tratamento: acompanhamento psicológico,
fisioterapia e neurologia. Tudo desde o nascimento.
Também sei que a microcefalia pode trazer
conseqüências mais graves do que as que eu tive e sei que nem todo mundo vai
ter a vida que eu tenho.
Então,
o que recomendo às mães que estão vivendo esse momento é calma. Não se
desespere, microcefalia é um nome feio, mas não é esse bicho de sete cabeças,
não.
Façam o
pré-natal direitinho e procurem sobretudo um neurologista, de preferência antes
de o bebê nascer.
Caso o
projeto de aborto seja aprovado, mas houver em paralelo assistência para a mãe
e garantia de direitos depois de nascer, tenho certeza que a segunda opção vai
vencer.
Se ainda assim houver pais que preferirem
abortar, não posso interferir. Acho que a escolha é deles. Só não dá para
fazê-la sem o mais importante: informação.
Quanto mais, melhor. Sempre. É o que me levou ao
jornalismo, a conseguir este espaço na BBC e a ser tudo o que eu sou hoje: uma
mulher plena e feliz.
Retirado do link
Foi muito esclarecedor esse testemunho.tenho acompanhada as notícias e não é divulgado todo o conteúdo do projeto. Espero mesmo o governo cumpra vom sua tarefa.
ResponderExcluirFoi muito esclarecedor esse testemunho.tenho acompanhada as notícias e não é divulgado todo o conteúdo do projeto. Espero mesmo o governo cumpra vom sua tarefa.
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