segunda-feira, 18 de novembro de 2019

“É preciso recuperar a disciplina e a autoridade na escola”


        Ex-assessora de educação do Governo sueco se
 posiciona contra as novas metodologias educacionais

                                  


                            
       Não é fácil encontrar uma opinião como a de Inger Enkvist
(Värmland, 1947). Enquanto a maioria dos gurus educacionais
defende acabar com as fileiras de carteiras escolares e os formatos
 convencionais de aula e dar mais liberdade aos alunos dentro da
 classe, Enkvist, ex-assessora do Ministério de Educação da
 Suécia,
 acredita que é preciso recuperar a disciplina e a autoridade dos
docentes na sala de aula. “As crianças têm que desenvolver
hábitos sistemáticos de trabalho e para isso necessitam que
um adulto as orientem. Aprender requer esforço e, quando se
 deixa os alunos escolherem, simplesmente não acontece.”


Catedrática de Espanhol na Univesidade Lund (Suécia),
Enkvist começou sua carreira na educação como professora do
 ensino secundário e durante mais de trinta anos se dedicou a
estudar e comparar os sistemas educacionais de diferentes países.
Além da publicação de livros como Repensar a Educação
 (Bunker Editorial, 2014), escreveu mais de 250 artigos sobre
 educação.

Enkvist compareceu em março à Comissão de Educação
do Congresso dos Deputados da Espanha para apresentar sua visão
sobre o modelo educacional espanhol, no qual aponta falta de
 motivação por parte do professorado e a necessidade de
 reformulação dos graus de professor em Educação Infantil e
 Primário – correspondente aos anos de ensino fundamental no
 Brasil – para tentar atrair os melhores estudantes.

Pergunta. As novas correntes de inovação educacional 
reivindicam um papel mais ativo por parte dos alunos. Acabar
com as aulas expositivas e criar metodologias que impliquem
ação por parte do estudante. Por que você se opõe a esse modelo?

Resposta. A nova pedagogia promove a antiescola. As escolas
 foram criadas com o objetivo de que os alunos aprendessem o
que a sociedade havia decidido que era útil. Qual é o propósito da
escola se o estudante decide o que quer fazer?
 Essas correntes querem enfatizar ao máximo a liberdade do aluno,
 quando o
que ele necessita é de um ensino sistemático e bem estruturado,
sobretudo se levamos em conta os problemas de distração das
 crianças. Se não se aprende a ser organizado e a aceitar a
autoridade do professor no ensino fundamental, é difícil que se
 consiga isso mais tarde. O aluno nem sempre vai estar motivado para aprender. É preciso esforço.

P. Em seu livro a senhora questiona a crença de que todas as
crianças querem aprender e, portanto, é uma boa opção deixar que
 tomem a iniciativa e aprendam sozinhos. Quais são seus argumentos
 contra isso?
R. Nunca foi assim. É uma ideia romântica que vem de Rousseau:
 dar como certo que o ser humano é inocente, bem-intencionado e
 bom. Uma criança pode concentrar-se em uma tarefa por iniciativa
própria, mas normalmente será numa brincadeira.

Aprender a ler e escrever ou matemática básica requer trabalho e
 ninguém se
sente chamado a dedicar um esforço tão grande a assimilar uma
 matéria tão complicada. É preciso haver apoio, estímulo e algum
 tipo de recompensa, como o sorriso de um professor ou
os cumprimentos dos pais.
P. O que se deveria recuperar do antigo modelo de educação?
Se no ensino fundamental não se aprende a ser organizado, é
 difícil conseguir isso depois

R. Ter claro que o professor organiza o trabalho da classe.
 Se os alunos planejam seu próprio trabalho, é muito complicado
que obtenham bons resultados, e isso desmotiva o professor, que
 não quer responsabilizar-se por algo que não funciona. Essas
 metodologias estão distanciando das salas de aula os professores
mais competentes.

Já não se considera benéfico que o adulto
 transmita seus conhecimentos aos alunos e se fomenta que os
jovens se interessem pelas matérias seguindo seu próprio ritmo.
Em um ambiente assim não é possível ensinar porque não existe
a confiança necessária na figura do professor. Viver no imediato
 sem exigências é bem o contrário da boa educação.

P. A senhora qualificou a autoaprendizagem como contraproducente.
 Mas uma vez terminada a formação obrigatória, e que os estudantes
 consigam um trabalho, o mercado de trabalho muda rápido e eles
 podem se ver obrigados a se reciclar e mudar de profissão. Não
acha que é uma boa ideia lhes ensinar desde pequenos a tomar a
iniciativa na aprendizagem?

R. Essa é a grande falácia da nova pedagogia. As crianças
 têm que aprender conteúdos, e não o chamado aprender a aprender.
Não basta dizer aos alunos que devem tomar decisões. Não vão
 saber como fazer isso. Dou um exemplo. O Governo sueco oferece
 cursos de formação para adultos e é um desespero quando só se
apresentam cidadãos com um perfil educacional elevado. Eles se
interessam e acham útil, e por isso têm entusiasmo para começar.
 Se uma pessoa aprende um conteúdo, considera que é capaz e que no futuro poderá voltar a fazer isso. Quem é mais adaptável e mais
 flexível ao perder um emprego? Aquele que já tem uma base de
conhecimentos, que conta com mais recursos internos, e isso é a
 educação que lhe proporciona. Quanto mais autodisciplina, mais
 possibilidades você tem pela frente e menos desesperado se sentirá
 diante de uma situação limite.

P. Há um grande debate quanto à utilidade dos exames.
 Alguns especialistas defendem que na vida adulta não ocorra
 esse tipo de prova e que o importante é ter desenvolvido
habilidades para adaptar-se a diferentes entornos.

R. Essa é a visão de alguém que não sabe como funciona o mundo
 das crianças. Na vida adulta, todos temos prazos, momentos
 de entregar um texto, e isto se aprende na escola.

Com os exames a criança aprende a se responsabilizar e entende que
 não comparecer a uma prova tem consequências: não será
 repetida para ele. Se não cumprimos nossas obrigações na
 vida adulta, logo nos veremos descartados dos ambientes
profissionais. Os exames ajudam a desenvolver hábitos
sistemáticos de trabalho.

P. Por que você considera que o momento atual da escola não
permite que ninguém se destaque?

Os exames ajudam a desenvolver hábitos sistemáticos de trabalho
R. A escola não é neutra, nem todos vão aprender do mesmo modo.
 Nas classes há desequilíbrios enormes em um mesmo grupo,
pode haver até seis anos de diferença intelectual entre os alunos.
 A escola deveria manter as crianças com diferentes capacidades
 juntas até os onze anos e, a partir daí, oferecer diferentes níveis
para as matérias mais complexas.

Isso é feito em algumas escolas
 públicas da Alemanha, Para os que não entendem, dou um exemplo.
Imagine colocar em uma mesma classe 30 adultos com níveis
socioculturais e interesses totalmente díspares e pretender que
aprendam juntos. Isso é o que estamos pedindo a nossos filhos.
Em menos de uma semana haveria uma rebelião.

P. A escola mata a criatividade, segundo o pedagogo britânico
Ken Robinson.

R. O mais simples é pensar em um músico de jazz. Parece
que está improvisando, brincando. Como pode fazer isso? Sabe
500 melodias de memória e usa pedaços dessas peças de forma
 elegante. Repetiu isso tantas vezes que parece que o faz sem
 esforço. A teoria é necessária para que surja a criatividade.

P. Quanto aos conteúdos que se aprende na escola, acha
 que seria necessário modernizá-los?

R. Uma professora espanhola me contou que um de seus alunos
 lhe disse na sala de aula: para que serviria estudar Unamuno?
Que aplicação prática poderia ter? Precisamos conhecer a situação
 de nosso país, saber de onde viemos. Com Unamuno se aprende
 um modelo de reação, que não há motivo para ser adotado, mas
 conhecê-lo te ajuda a elaborar a sua própria forma de ver o mundo.

Retirado do link :

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