Nossa, mas não parece! – Se você não
falar nada nem dá pra
saber.
– Mas ela te entende! Ela é tão
inteligente! – Ela fala, tem certeza
de que é autismo? – Mas é leve, né? Ela
tá ótima…
Essas são as frases que mais ouvi ao
longo desses anos
de diagnósticoMinha filha Alana tem 10 anos, sabe ler, escrever e fazer contas.
Também sabe falar e fala muito, mas muito mesmo inclusive em
inglês. Adora cantar e dançar. E jogar vídeo game. Ela é doce, criativa, carinhosa e acolhedora. E é autista.
Quando o diagnóstico foi feito, em nenhum momento os profissionais
com os quais trabalhamos tiveram
dúvida: Alana tem Síndrome de
Asperger. Hoje, a nomenclatura médica mudou de Síndrome de
Asperger para Autismo leve. Alguns profissionais gostam de dizer
que é “uma forma leve de autismo”.
O aspie (apelido dado ao portador da Síndrome de Asperger)
não é considerado autista grave e tem muitas capacidades cognitivas,
além da capacidade de falar.
Alana sabe que é autista. Verbaliza,
questiona, e às vezes usa pra dar desculpas! Explico o autismo pra
ela em doses homeopáticas. Depois das crises, quando conversamos
sobre o porquê delas acontecerem. Quando alguém fala que ela
é especial ela questiona o que é.
Também porque ela toma remédios e me pergunta o porquê.
Sempre digo que existem outros como ela, que ela não é a única
e que os outros também são ajudados pelos pais e amigos.
Digo que é uma dificuldade, uma dificuldade que precisa de cuidados,
como quando alguém não enxerga
direito e precisa de óculos, ou
quando não anda direito e precisa de muletas ou fazer fisioterapia.
Ela entende coisas concretas. Sabe que sinto dor
Ela entende coisas concretas. Sabe que sinto dor
(por causa da fibromialgia), então, entende que as coisas que ela
não consegue controlar ou não consegue fazer, às vezes,
acontecem por causa do autismo.
O autismo pode ser leve, mas temos muitos desafios.
A comunicação verbal
Alana demorou anos pra se comunicar de uma forma que
pudéssemos entender. E isso nos
afligia porque não sabíamos se
ela nos entendia também. Há pouco tempo, ela consegue se
comunicar de forma eficiente com quem não convive com ela.
Antes, era bem complicado. Teve que aprender a falar de modo
inteligível e, até hoje, quem não
convive com ela tem dificuldade
em entender o que ela diz. Não
sei se isso acontece com todos os
autistas leves. Mas acredito que
sim.
Autistas leves têm interesses
específicos e, muitas vezes,
forte ecolalia. Eles aprendem a se
comunicar repetindo o que
ouvem.
E isso não faz sentido pra quem não está
acostumado.
Geralmente as pessoas olham pra mim
esperando que eu traduza
o que Alana diz. E ela percebe.
A socialização
Por causa dessa capacidade, embora limitada, de se comunicar,
muito se espera do autista leve.
É como se o fato dele falar o
capacitasse em todos os outros
sentidos do desenvolvimento.
E não acontece assim. Há questões sensoriais bem sérias e de
coordenação motora que
comprometem o desenvolvimento
intelectual e físico.
O autista leve quase sempre passa por mal educado, esquisito e,
por vezes, arrogante. Porque se espera
que uma criança que fala
seja cordial, e que não apresente
estereotipias irritantes. Afinal,
se ela fala, ela supostamente entende o que os
outros falam,
então é só uma questão de fazer o que
se pede dela, certo?
Errado, muito errado.
Todas as outras dificuldades do autismo estão lá, esperando para
serem resolvidas ou, ao menos, administradas. Os surtos, as
estereotipias, a falta de
percepção social do mundo, as angústias.
As angústias
A criança com Asperger ou com autismo leve tem muita percepção
do mundo, anseia por fazer amigos
e participar socialmente
(no nosso caso é assim). Só que ela não consegue e sabe que
não consegue, que “falha” em alguma coisa. E as cobranças
continuam, ela sabe que não está correspondendo.
Ela sabe que, aos olhos dos outros, ela
é estranha. E isso
a entristece.
Dá pra imaginar o que se passa na cabeça dela
quando os “
amigos” não a chamam pra brincar porque
ela vai atrapalhar
o andamento da brincadeira? E quando
ela já está no contexto,
não consegue se enturmar e é deixada de
lado ou expulsa da
brincadeira, porque ela não acompanha?
Já pensou passar por
isso todo dia, na escola, na pracinha, com os
parentes?
A escola
Uma vez, li em algum lugar que não se espera de um aluno
cadeirante que ele aprenda a andar. Nem
de um aluno cego que
ele copie a lição do quadro. Mas, de um
aluno com autismo leve,
se espera que ele aprenda a se
socializar, se comportar e agir
como os outros. Espera-se não,
exige-se.
Uma vez na escola regular, ele terá que
se moldar aos costumes
da escola. É assim que a inclusão
acontece no Brasil.
Mas é difícil administrar os problemas
do autismo e ser um aluno
“normal” quando se é muito diferente
disso. E eles sabem disso
e querem mudar, mas não conseguem. Se sentem
fracassados,
deprimidos e, por não conseguirem
aprender como os outros,
perdem o interesse pela escola, são
vítimas de bullying, são
maltratados até por professores às vezes.
Se a escola regular não sabe lidar, então vamos pra escola especial!
Mas, nos moldes da escola
especial, se encaixam as crianças
mais comprometidas, mais graves. Assim, não há lugar para
o autista leve. Porque ele é tão inteligente, vai se desinteressar
. Também não se encaixa.
Dia a dia
Os autistas leves também precisam de terapias, também tomam
medicação, também têm alimentação
restrita, também têm
estereotipias, também surtam, também
têm dificuldades em
aprender coisas simples. Só que eles sabem de
tudo isso e
sabem que serão cobrados.
O autista leve é escanteado. É mais
fácil lidar com ele assim.
O autista leve é quase invisível. E, por falta
de apoio para lidar
com suas dificuldades, muitos deles
desejam ser invisíveis
mesmo.
É um privilégio ver qualquer tipo de
criança se desenvolver,
mesmo que com dificuldades.
As crianças autistas são especialmente
encantadoras, e seu
desenvolvimento surpreende e comove. Aqui,
temos muitos
momentos emocionantes, e alguns até
engraçados. Mas não tem
nada de fácil em ver uma criança lutando por
seu lugar no mundo,
quando o mundo todo acha que “ela tá de
frescura” ou “ela
é mimada”.
Autista leve merece apoio e respeito. Merece muito amor,
como todas as crianças, com
deficiências, neurotípicas. E
seus cuidadores, pais e família também merecem
apoio, respeito.
Nunca diga que o que eles passam não é tão
difícil assim.
É difícil sim! E não estamos competindo
por níveis de sofrimento.
Só estamos tentando fazer o melhor pelos
nossos filhos/netos/
sobrinhos/irmãos, e eles também estão
tentando arduamente dar
o seu melhor.
Só esperam de volta empatia,
compreensão e amor. Pena que
parece que essas coisas estão muito em falta
no mundo atual e
inclusive no mundo azul…
Por Nanci Costa P.S:
Retirado do link :https://lagartavirapupa.com.br/autismo-leve-nao-e-tao-leve-assim/
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