segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Atos de bullying nas escolas estão mais graves e "maldosos"



   Num colégio do Estoril, alunos criaram grupo no WhatsApp
contra menina de 10 anos e escreveram insultos no banco
do recreio. Humilhação durou sete meses.
Diretora desvalorizou e sugeriu à mãe mudança de escola

                          
Começaram por lhe dar a alcunha de banana como se fosse
 uma brincadeira.Mas rapidamente ganhou conotações sexuais.
Por ser magra, diziam- -lhe que não comia e que era pobre.

Chegaram a enfiar-lhe um saco na cabeça no recreio e
deixaram-lhe uma carta na mochila"És podre", escreveram.

Aos 10 anos, Ana (nome fictício) começou a comer menos,
 baixou as notas e deixou de querer ir para a escola.
Chorava todas as noites. "Uma vez disse-me que não
gostava da vida que tinha", conta a mãe.
Os insultos dos colegas do 5º ano do colégio Sra. da Boa Nova,
 no Estoril, tornaram-se diários.

 O grupo de amigas foi ficando cada vez mais pequeno e a
situação não parou de se  agravar.
Um dia apareceu escrito num banco do recreio 'A Ana é puta',
com um pénis desenhado por cima.
O banco foi limpo, mas a humilhação pública nunca se
 apagou da memória.

Pouco tempo depois, apareceu no WhatsApp um grupo
 'anti-Ana' e numa rede social de partilha de conteúdos,
Ao longo dos sete meses em que se arrastou a situação de
 bullying, os pais de Ana pediram várias vezes ajuda à direção
 do colégio católico, que acusam de não ter feito o suficiente
 para pôr fim à situação. 

"A diretora teve o desplante de me dizer que, se estivesse no
 meu lugar, tiraria a filha do colégio", recorda a mãe.

 Os pais chegaram a pedir à escola que convocasse uma reunião
com todos os encarregados de educação do 5º ano para lhes pedir
que sensibilizassem os filhos para o que se estava a
passar, mas a direção recusou.

 Quando o caso deixou as paredes da escola e saltou para
 As redes sociais, os pais convencidos de que o colégio era incapaz
de travar o avanço das ofensas, decidiram fazer queixa na PSP.
"Avisei a escola que ia à polícia. Só nessa altura é que a direção
enviou um e-mail para todos os pais alertando para a situação de
ciberbullying", afirma a mãe. 

Nesse comunicado, o colégio condenou a criação do grupo
no WhatsApp,  informou os pais da intenção de identificar
os alunos responsáveis e pediu-lhes para "verificarem os
telemóveis dos filhos, vigiarem as suas atividades e impedirem
este tipo de atitude". 

"Fizemos o possível", diz diretora Ao Expresso,
a diretora pedagógica da escola, Aurora Valois, garante ter havido
sempre um "acompanhamento muito próximo" deste caso, apesar de
 considerar que a aluna "não aparenta, de todo, o perfil de vítima
" e teve "um entendimento exacerbado dos acontecimentos".

Perante a "insatisfação geral dos pais" com a atuação da direção,
a responsável assume ter-lhes sugerido que levassem a filha
"para outro colégio, onde toda a família poderia ter um recomeço". 

"Quando me disseram que a filha chorava todas as noites,
realmente eu disse que se o sofrimento era tão grande e se fosse
com uma das minhas filhas, eu já a tinha tirado da escola e levado
 para outro lugar", diz Aurora Valois. 

A diretora explica que não aceitou convocar uma reunião geral de
 pais por não lhe parecer uma opção "eficaz". "Quem trabalha com
crianças sabe que, às vezes, é muito difícil distinguir
um comportamento tonto, próprio da idade, de uma agressão
propositada e reiterada, que poderá vir a configurar a moldura
de bullying. 

Sabemos que, muitas vezes, as coisas chegam a casa com
 proporções desmedidas." Ainda assim, assegura ter identificado
 os alunos envolvidos e aplicado "medidas disciplinares corretivas",
sem especificar quais.

 "Acreditamos que fizemos o que nos era possível", conclui. 
Perante a queixa dos pais,
a PSP fez uma ação de sensibilização no colégio,
à semelhança do que faz, por rotina, em muitas escolas durante o ano. 

Em todo o país, estima-se que um em cada quatro alunos tenha
vivido situações de bullying, seja como vítima ou agressor.

As autoridades creem que o número de casos estabilizou,
 mas não existem dados concretos que permitam traçar a dimensão
 e evolução do fenômeno, uma vez que estas ocorrências fazem
parte dos crimes de ofensas à integridade física ou injúrias e
ameaças, como explicam os responsáveis da Escola Segura,
o programa criado em 1992 e que envolve
o Ministério da Administração Interna, através da PSP e GNR,
e o Ministério da Educação. "

É difícil traçar-se uma análise realmente sólida e consistente sobre
a evolução do fenómeno com base na análise estatística, porque o
crime de bullying não está tipificado no Código Penal",
 aponta Hugo Guinote, responsável pelo programa na PSP,
 sublinhando não existir em Portugal um perfil violento de criminalidade
 grupal. 

Luís Fernandes, psicólogo e especialista em bullying,
sublinha, no entanto, que os casos que chegam às autoridades
 "são apenas a ponta do icebergue".

O estudo que tem feito aponta para um aumento da gravidade
do bullying entre as crianças em idade escolar. 

"Os comportamentos são mais graves e vai-se mais longe
na agressão", diz. Sónia Seixas, psicóloga educacional
especializada em violência escolar,
confirma: "Os atos são mais maldosos, com maior intenção
de causar sofrimento e mais violentos, mesmo que não seja
 através de violência física." Para isso, acredita,
contribui o acesso que as crianças e jovens têm desde cedo
a conteúdos violentos e o tempo que passam sozinhos com
o telemóvel. "Anonimato e impunidade" 

O ciberbullying já surge associado a "quase todos os casos
" de violência escolar, afirma o responsável pelo Policiamento
Comunitário na GNR, Paulo Poiares.
 O facto de ser "muito difícil" controlar estes atos na internet faz
com que ganhem terreno rapidamente, explica Sónia Seixas.

 "Os jovens têm uma enorme sensação de anonimato e impunidade.
De acordo com a psicóloga, alguns estabelecimentos de ensino
tentam camuflar ou abafar casos de bullying,
"para não darem grande alarme, com receio de que o assunto
 assuma maior dimensão".

 Mas a "crença de que são situações normais" pode representar
 "um risco sério", alerta. Formar as escolas para que saibam
como prevenir estes casos ou como intervir quando
os identificam é, por isso, "fundamental", sublinha.

Os dois especialistas em violência escolar defendem a criação de
um plano nacional de luta contra o bullying com medidas muito
concretas, que ainda não existe em Portugal, mas que tem tido
sucesso em países como Noruega,Finlândia ou Espanha. 

No colégio, Ana ouviu insultos e ofensas durante quase todo o
 ano letivo.
 Só no último dia de aulas, há duas semanas, o pesadelo
chegou ao fim. Depois de "um massacre de sete meses",
os pais decidiram mudá-la de escola,

Assim como ao irmão. Aos 10 anos, a menina tem agora
 pela frente um recomeço: uma escola diferente,
um mundo desconhecido, novos colegas.

Mas Ana continua a acordar com ataques de ansiedade.
Tem medo que tudo volte a acontecer."Quem é que paga a fatura
do trauma com que fica? Acho que nunca vai esquecer",
 lamenta a mãe. 



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