Manifesto contra a homofobia
“Quero iniciar essa carta
primeiramente desejando a todos um feliz 2017! Desejo que o ano novo seja cheio
de realizações para todos, mas que seja principalmente um ano de mais
tolerância, respeito e amor entre todos os povos, crenças, religiões, cores,
classes sociais, ideologias e orientações sexuais.
O
ano de 2016 terminou e com ele recebi uma tarefa para enfrentar em 2017, a qual
quero dividir com vocês. Encarar essa missão será uma grande mudança em minha
vida, talvez a maior e uma efetiva quebra de um paradigma. Ainda não sei que
consequências estão por vir, mas quero transformar o episódio e as
consequências que vivencio em algo que tenha algum valor para um número maior
de pessoas.
No dia 28 de dezembro, comemorei meu
aniversário e, para celebrar, fui a uma festa privada de um conhecido. Lá
reencontrei um amigo que já não mora mais no Brasil e acabamos nos
beijando. Um fotógrafo não perdeu a oportunidade e disparou uma rajada de
cliques registrando a situação.
O que era para ser
um momento meu, acabou se tornando público. No dia seguinte, a foto do beijo
entre dois homens estava estampada na capa de um grande site de celebridades e
replicada em diversos outros espaços.
Nunca
escondi minha sexualidade, quem me conhece sabe disso. Não estou “saindo do armário”, porque nunca estive dentro de um. Também
nunca fui um enrustido. Meus pais souberam da minha orientação sexual desde
quando eu ainda era muito jovem.
No início não foi
fácil pra eles, pois somos de famílias católicas e com características bem
conservadoras, mas com o tempo eles passaram a me respeitar e aceitar a minha
orientação. Eles puderam perceber através da minha conduta que isso era apenas
um detalhe da minha personalidade. Eles
entenderam que o filho deles podia ser uma boa pessoa, honesto, bom caráter,
bom filho, bom amigo, mesmo sendo “gay”.
Hoje, a única preocupação da minha mãe é que eu não seja feliz. Eu
posso afirmar para ela que sou feliz. Tenho um trabalho que me realiza, amigos
que me amam e uma família que me conhece de verdade e que me aceita como eu
sou, sem hipocrisias. Meu caso não é nem o primeiro e nem será o último.
Desde cedo já sabia que eu queria ser ator. Já fazia teatro amador
na escola, antes mesmo de me descobrir sexualmente. Aos 22 anos, fui alçado
para a fama como um foguete. Em quatro capítulos de uma novela fiquei famoso
nacionalmente e me tornaram o galã do momento, um “namoradinho do Brasil”. Em
pouco tempo estava em todas as capas de revistas e jornais. Passei a receber
inúmeras cartas, convites para comerciais de televisão, festas, desfiles,
presenças VIPs.
A mídia me classificou como
símbolo sexual e jornalistas me perguntavam como eu me sentia sendo o novo
“símbolo sexual”. Eu era novo e não sabia responder, dizia apenas que estava
feliz com a repercussão do meu trabalho. Eu nem me achava tão bonito e sexy
assim para ser tido como um símbolo sexual.
Sempre me achei um cara normal. Convivi com uma dúvida pessoal que me
tirou a paz por um tempo. Como eu
poderia ser um símbolo sexual para tantas meninas e mulheres quando a minha
sexualidade na “vida real” apontava em outra direção? Como lidar com isso? O
que fazer? Declaro minha sexualidade? A pressão era enorme de todos os lados,
eu não sabia o que fazer e acabei não me declarando publicamente, mantive uma
vida discreta e tratei o assunto em meio a círculos de amizade, trabalho e
família como algo natural.
Sempre
achei que um ator deve ser como uma tela em branco. Ali colocaremos tintas,
cores, formas e sentimentos para dar vida a diferentes personagens. Respeito,
mas nunca concordei com atores que expõem sua vida íntima ou levantam bandeiras
ideológicas, exatamente porque no meu entender isso poderia macular essa tela
em branco e correr o risco de tirar a credibilidade de um trabalho.
O público passa a ver o ator antes da personagem e para mim isso nunca
foi bom. Um dos motivos de nunca ter feito o meu “outing” foi esse e isso não é
uma desculpa. Provavelmente, se eu fosse hétero, manteria a mesma postura
discreta em relação a minha vida privada.
Infelizmente,
vivemos em um país ainda cheio de preconceitos e a homofobia é um deles.
Revelar-se homosexual não é fácil pra ninguém e acredito que seja ainda mais
difícil para uma pessoa pública. Sempre achei “assumir” um termo pesado demais.
Assume-se um crime, um delito, um erro e uma falta grave. Será que estou errado
em ser quem sou? Será que tenho alguma culpa para assumir? Esse termo “assumir”
me perseguiu como se eu tivesse cometido algum crime e que eu teria que fazer o
“mea culpa” e ser condenado.
Nunca me senti
criminoso ou culpado por ser homosexual, eu me sentiria assim se tivesse matado
alguém, ou roubado alguém ou a nação. O fato de ser gay nunca prejudicou ou
feriu alguém, a não ser a mim mesmo; e não escolhi ser gay.
Se pudesse
escolher, escolheria ser heterosexual com certeza. Seria muito mais fácil a
vida, não teria que ter enfrentado as dificuldades que enfrentei com meus pais,
não seria discriminado em certos círculos sociais, teria uma família com filhos
(sempre sonhei em ser pai), não sofreria preconceito de colegas, não seria
atacado nas ruas, não seria xingado nas redes sociais, não deixaria de ser
escolhido para certos personagens, seria convidado para mais campanhas
publicitárias e capas de revista.
Tenho vivido e
venho sofrendo preconceito durante toda a minha vida e na maioria das vezes
ninguém percebeu, só eu senti na pele, mas nem por isso me vitimizei.
Nunca
deixei de fazer nada na minha vida privada por ser ator famoso. Sempre fui a
lugares gays, namorei caras incríveis, tenho vários amigos e amigas gays e
também frequento lugares héteros, tenho amigos héteros, vou ao supermercado, à
feira… Sempre tive uma vida normal como todo ser humano merece ter. Nunca me
senti especial por ser ator e sempre fiz questão de transitar livremente, mesmo
que muitas vezes tivesse que parar um minuto da minha existência para tirar uma
foto ou dar um autógrafo.
Agora, pessoas do público as quais dediquei meu tempo, atenção e
carinho, me atacam nas redes sociais de maneira vil e violenta, porque
“descobriram” que eu sou gay. Eu nunca disse que não era, só não saí por aí com
uma bandeira hasteada. Eu não traí a confiança de ninguém, sempre fui o que
sou. Algo muito simples de ser entendido se em nossa sociedade essa questão
ainda não fosse um tabu no ano de 2017.
Sobre
o episódio do “beijo gay”, que a princípio parecia ser um “escândalo do último
minuto” ou uma pedra no caminho, eu parei para refletir e vi que era, na
verdade, um presente. Uma ótima
oportunidade para tirar das minhas costas algo que me fez sofrer por muitos
anos.
Agradeço
sinceramente ao site e ao fotógrafo que publicaram as fotos do beijo, pois
assim me vi na obrigação de escrever essa carta e deixar clara a minha posição,
tirando, assim, um peso que carrego há anos nas costas, além de poder ajudar a
tantas pessoas que sofrem preconceitos, discriminação ou ainda não
assumiram sua sexualidade.
Estou me sentindo
bem mais leve, mas poderia estar me sentindo bem mais pesado, caso eu não
tivesse o suporte de minha família e amigos. Embora a publicação tenha me feito
um grande favor, pode ter me prejudicado imensamente profissionalmente (só
saberemos no futuro) ou poderia ter destruído minha família, se por acaso eles
já não soubessem da minha situação.
Infelizmente a
mesma mídia que se diz contra a intolerância, a discriminação e o preconceito,
alimenta esses sentimentos irresponsavelmente, sem medir as consequências. É incrível que obras como
o ” Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, baseada em um beijo entre homens e
transformado em sensacionalismo midiático, ainda sejam atuais.
Essa
carta aberta aqui não é um pedido de desculpa, pois não acho que deva pedir
desculpas por ser gay. Pelo contrário: sempre tive orgulho de ser quem eu sou.
Essa carta é um manifesto contra a homofobia. Descobri estupefato que homofobia
não leva ninguém à cadeia.
Este crime, que
pode ser devastador na vida das pessoas, não tem defesa à altura. Algumas
cometem suicídio e outras matam por simples preconceito, que, aliado à
violência verbal, psicológica ou física, é uma das mazelas de nossa sociedade.
Não
gostaria de me colocar no papel de vítima, mas sou e não posso deixar de querer
meus direitos como cidadão de bem e exigir justiça para mim e, quiçá, para
tantos outros homosexuais em meu país que também sofrem com isso diariamente e
por anos em suas vidas. Homofobia precisa ser tratada com seriedade pela
justiça e pela sociedade.
O objetivo dessa carta não é só
esclarecer, de uma vez por todas e a quem interessar possa, a minha orientação
sexual, mas também alertar para o verdadeiro crime psicológico e letal que as
pessoas cometem ao perderem tempo de suas vidas para atacar os outros na
internet ou nas ruas.
O
que ainda me surpreende é a violência, a guerra, a discriminação, a
intolerância, a falta de respeito entre pessoas iguais que se atacam pela
diferença, seja pelo fato de alguém ser gay, hétero, preto , branco, rico,
pobre, evangélico ou muçulmano.
Se sou gay, isso não vai mudar em nada a vida
de ninguém ou a de quem estiver lendo isso, mas meu caso talvez possa ajudar
pessoas que sofrem com a discriminação sexual ou com qualquer outra forma de
discriminação e preconceito.
Não consigo entender porque as pessoas ainda se preocupam tanto com a
sexualidade alheia e fazem disso motivo de discórdia e violência.
Existem mulheres e homens na
internet dizendo coisas horríveis a meu respeito. Tenho sofrido ataques homofóbicos pelo fato de ter sido fotografado
beijando um homem. Se eu fosse hétero jamais me envolveria com uma mulher
preconceituosa e deselegante, porque também não me envolveria com um homem
preconceituoso e deselegante.
Ser um ser humano
com bom caráter, honesto, amigo, leal, educado, gentil, generoso e outras
qualidades é muito mais importante do que quem você beija ou se relaciona
sexualmente, independentemente se você é homem ou mulher.
Por isso estou indo esta tarde à
comissão dos direitos humanos entender quais são os meus direitos como cidadão
e quem sabe assim servir de exemplo para que meu caso não seja mais um e isso
possa mudar algo em nossa legislação.
Para
terminar esse manifesto gostaria de homenagear e agradecer algumas pessoas que,
antes de mim, tiveram a coragem de dar sua cara à tapa e declararam suas
orientações sexuais sem medo de enfrentar as consequências: Kevin Spacey, Rick
Martin, Ian McKellen, Alessandra Maestrine, Marco Nanini, Ney Matogrosso,
Daniela Mercury e tantos outros. Deixo aqui meu muito obrigado e todo meu
respeito a todos que lutam por esta causa: a da liberdade para que todos possam
ser quem são.
Leonardo Vieira
Retirado
do link:
http://www.midiorama.com/ator- leonardo-vieira-desabafa-em- carta-aberta-sobre-homofobia- e-preconceito
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