Eu não vou fazer rodeios. Cada vez que ouço a frase
“necessidades especiais”, eu tremo
Pra falar a verdade, eu não
costumo chamar a atenção das pessoas sobre que termos usar, a menos que
considere a linguagem ofensiva. Mas isso me tira do sério. E eu acho que
está na hora dessa frase prejudicial e a mentalidade que a acompanha ir
para o lixo.
A expressão “necessidades
especiais” é comumente usada como um eufemismo para se referir a uma pessoa com
deficiência (particularmente deficiência intelectual ou cognitiva e,
frequentemente, uma criança) ou que funcione de alguma forma atípica.
Mas se você parar pra pensar, o adjetivo “especial”
tornou-se um código para descrever lugares reservados para pessoas com
deficiência. Por exemplo, “escolas especiais”, “centro de educação especial”,
“oficinas especiais”, “casas especiais”, etc.
Existem centenas de sites e páginas do Facebook dedicadas a
pessoas com “necessidades especiais” e os pais de crianças “especiais” ou com
“necessidades especiais”. A expressão “necessidades especiais” é usada
regularmente pelos meios de comunicação – é a linguagem comum.
Embora a diversidade humana, o
modelo social da deficiência e a inclusão, enquanto conceitos estruturantes dos
direitos humanos, estejam se solidificando, para grande parte da sociedade
a “história especial” ainda é assim:
Uma criança com “necessidades
especiais” pega o “ônibus especial”, para receber “ajuda especial”, em uma
“escola especial”, de “professores de educação especial”, para prepará-los para
um futuro “especial”, vivendo em uma “casa especial” e trabalhando em uma
“oficina especial”.
Isso soa “especial” para você?
Nas mentes de muitos em nossa sociedade um rótulo de
“necessidades especiais” é efetivamente um bilhete só de ida para um
caminho separado, segregado, de uma trajetória marginal pela vida.
A palavra “especial” é usada para maquiar a segregação e a
exclusão social – e a continuidade de seu uso em nossa língua, nos sistemas de
educação, na mídia etc serve para manter esses conceitos “especiais”,
cada vez mais antiquados, que revestem o caminho para uma vida de exclusão e de
baixas expectativas.
A lógica da conexão entre
“necessidades especiais” e “lugares [segregados] especiais” é muito forte – ela
não precisa de reforço – precisa ser quebrada.
Além disso, o rótulo de
“necessidades especiais” reflete o modelo médico de “cuidado” com a pessoa com
deficiência no lugar do modelo social de inclusão da pessoa com
deficiência. Ele restringe e medicaliza
a resposta da sociedade ao sugerir que o foco deve ser “tratar” as
“necessidades especiais” da pessoa, em vez de agir no ambiente onde ela
está, de modo a acolhê-la e incluí-la enquanto indivíduo.
Há outra consequência
insidiosa, mas grave ao ser rotulado “especial” ou com “necessidades
especiais”. O rótulo traz consigo a implicação de que uma pessoa com
“necessidades especiais” só pode ter as suas necessidades satisfeitas por ajuda
“especial” ou por pessoas “especialmente treinadas” – por “especialistas”.
Essa implicação é particularmente poderosa e
prejudicial em nossos sistema de ensino regular. É uma barreira que impede
que administradores e professores de escolas regulares se sintam
responsáveis, habilitados ou qualificados para abraçar e praticar a educação
inclusiva em salas de aula regulares e, consequentemente, perpetua a atitude de
resistência para a realização do direito humano à educação inclusiva nos termos
do artigo 24 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e da
Lei Brasileira de Inclusão.
Em outras palavras, a linguagem
das “necessidades especiais” serve como uma desculpa e legitima a atitude
padrão de muitos educadores gerais de “não dá pra fazer”. Ela efetivamente
priva a educação inclusiva do oxigênio necessário a uma cultura favorável
de sala de aula de “poder fazer”.
Além disso, e mais importante
ainda, o conceito de “necessidades especiais” não faz sentido. “Necessidades
especiais” não existem.
Uma criança com
deficiência tem as mesmas necessidades como todos os outros – as mesmas
necessidades humanas – de ser amada, alimentada, educada, abrigada – de
se mover, comunicar, participar, pertencer etc.
Uma pessoa pode precisar
de mais assistência para uma determinada coisa quando seu ambiente foi
predeterminado sem levar em conta sua deficiência, para satisfazer as
necessidades humanas básicas.
O rótulo de “necessidades
especiais” é inconsistente com o reconhecimento da deficiência como parte da
diversidade humana. Nesse marco social, nenhum de nós é “especial” como todos
nós somos irmãos iguais na família diversa da humanidade.
Lembro-me de uma canção de 1969
do grupo “The Hollies”, em que, em tom surpreso, uma jovem respondia a um
estranho que sugeria que seu irmão mais novo era muito “pesado” para ela
carregar. Eu acho que as irmãs do meu filho Julius ficariam tão
surpresas – ou mesmo indignadas – se ouvissem o irmão ser chamado de “especial”.
Diriam: “ele não é especial, ele é meu irmão”.
Tradução Patricia Almeida
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