segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Família de filho de nazistas casado com judia acolhe refugiado muçulmano


       Uma lição de Amor e generosidade 

                         

     Em Berlim, um só apartamento reúne memórias dos mais dramáticos êxodos na Europa.As cenas da massa que chegou à Europa por mar e atravessou suas fronteiras em trens lotados, a pé por trilhos e campos, dormindo ao relento, no último ano, compõem o retrato do maior êxodo no continente desde a Segunda Guerra Mundial.


  Essas duas pontas da História se encontraram agora no universo privado de um apartamento espaçoso no coração de Berlim. Ali vivem o médico judeu alemão Chaim Jellinek, a mulher dele, Kyra, três dos quatro filhos do casal e, desde novembro, o jovem muçulmano Kinan, refugiado sírio que a família acolheu em casa.

 Jellinek e Kyra, como Kinan hoje, tiveram suas vidas profundamente afetadas pela guerra, embora de maneiras bem distintas. A família de Kyra sobreviveu ao Holocausto no Gueto de Budapeste. Já o marido, Jellinek, nasceu e cresceu em uma família nazista, filho e neto de integrantes do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, de Adolf Hitler. O pai lutou na União Soviética, na operação militar considerada a maior da Alemanha na Segunda Guerra.

Jellinek se converteu ao judaísmo e adotou novo nome quando a mulher engravidou do primeiro filho, após um longo período de revisão do próprio passado e identidade.

Eu perdi minha família muito tempo antes de conhecer Kyra. Chegamos a um ponto em que meu pai achava que eu deveria defender o nacional socialismo. Ele nunca falou sobre a máquina industrial de matar pessoas montada por Hitler, não o ouvi defender o extermínio de judeus, este não era um assunto em casa. Mas assim que passei a pensar por mim mesmo, comecei a indagar sobre o que sua geração e a do meu avô fizeram. E entendi que meu avô era, sim, um criminoso.

Jellinek rompeu com a família e saiu de casa aos 20 anos. Quando conheceu Kyra, uma década depois, ele tocava em uma banda punk e tinha se tornado um ativista antifascismo “sem nenhum pensamento religioso”. A gravidez do primeiro filho trouxe de volta fantasmas do passado.

— Eu comecei a pensar no significado da família e no que gostaria de deixar para os filhos — diz
Foi então que decidiu se converter à religião dela.

— Porque o maior símbolo do judaísmo é a família — diz. — Essa decisão não teve nada a ver com meu passado, foi puramente religiosa.
Ele reencontrou o pai apenas uma vez, quando este estava morrendo.

— Mas já não havia mais nenhuma conexão entre nós. Nada — conta, acrescentando que ao olhar para trás, hoje, julga-o também como vítima da guerra.

— Ele foi abusado psicologicamente e teve sua juventude roubada pelo meu avô e pelos nazistas.

FUGA DA CONVOCAÇÃO MILITAR

Foi para escapar do serviço militar que o sírio Kinan, de 28 anos, que trabalhava como farmacêutico em Damasco, decidiu arriscar-se pelo longo caminho até o refúgio na Europa. Ele deixou Damasco após ser convocado a se alistar no Exército do presidente Bashar al-Assad. Kinan prefere não dar o sobrenome, por temer represálias contra os dois irmãos mais novos e a irmã, que continuam na Síria; os pais morreram.

— Na mesma noite da convocação, eu fugi. Atravessei a fronteira por terra para o Líbano. De lá, fui para Turquia. Depois, você já sabe — diz.

   Em novembro, Kinan, muçulmano, chegou ao abrigo de emergência para refugiados vizinho ao colégio judaico onde os filhos de Jellinek estudam.

 — Houve um momento em que não havia mais lugar para receber todo mundo. Então, mobilizamos a escola em um mutirão. Os alunos, judeus, fabricaram camas para refugiados muçulmanos dormirem em um local do outro lado da rua disponibilizado por uma organização cristã — conta Jellinek, rindo.

 Mais de 400 refugiados foram transferidos para o hospital Evangelische Elisabeth, em Mitte. O mutirão também produziu um guia, em nove idiomas — como árabe, farsi e russo — para ajudar sírios, afegãos, chechenos e outros a vencer a burocracia alemã.

Quando o filho mais velho saiu de casa para cursar a universidade, Jellinek e a mulher convidaram Kinan para morar com eles.

— No verão do ano passado, líamos nos jornais que a Alemanha estava sendo invadida. A linguagem não era a de que havia pessoas fugindo de uma guerra, mas pedintes de asilo superpopulando os serviços alemães.

 Isso me fez perceber que o pensamento do meu pai e avô sobrevivera. Então, nos demos conta de que precisávamos fazer algo — diz. — E, se defendemos a integração de refugiados, nada mais natural do que começar em casa. Tínhamos um quarto vazio, afinal.
No início, Kinan estranhou, mas em duas semanas se sentia em casa.

 — Ficamos muito surpresos, porque num período muito curto parecia que o Kinan sempre esteve com a gente — concorda Jellinek.

  Ele lembra que o Holocausto não é ensinado nas escolas da Síria, e Kinan confessa que conhecia pouco sobre o nazismo e os judeus.

 — O que eu sei é que a guerra criou uma divisão, que antes não existia, entre curdos, sunitas, xiitas, cristãos, e este é o problema da Síria hoje — diz. — Para mim, todos deveriam viver juntos e em paz, não importa sua etnia ou religião.

 Kinan aprendeu a cozinhar no refúgio e ajuda a família a preparar o jantar para o shabat. Como faz todos os dias, junta-se a Jellinek, Kyra, Rosa, de 18 anos, Joshy, de 12, e Lili, de 8, em torno da mesa.
As crianças tentam ajudar Kinan no aprendizado no alemão. Quando pergunto se existe alguma diferença entre eles, todos são rápidos em responder:

— A língua!
A família frequenta uma sinagoga reformista em Berlim.

— Existem 12 mil judeus na cidade, com visões tão variadas quanto toda a sociedade — diz Jellinek. — Se por um lado muitos estão se engajando para colaborar com os refugiados, a direita conservadora populista está usando isso para aterrorizar as pessoas. 

O governo, ao mesmo tempo em que prometeu abrir as fronteiras, está selecionando os que quer receber aqui: jovens e graduados.
Os outros, que não tiveram oportunidade, mas precisam de refúgio estão largados à espera de uma definição. Esse senso de “utilidade” atribuído a seres humanos, essa pergunta que hoje muitos alemães fazem, “em que essas pessoas podem nos ser úteis?”, é uma questão que vem do nazismo.

                   Retirado do link:
                    

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