Agradecimentos diários podem
nos ajudar a ter uma vida mais plena, mesmo diante da dor e da dificuldade
Há pouco mais de cinco anos, em
uma noite qualquer do mês de outubro, sentei despretensiosamente na frente do
computador e no meu perfil do Facebook digitei “um agradecimento por dia” e
criei uma hashtag (#umagradecimentopordia).
E, em seguida, escrevi: “a família maravilhosa que eu tenho”. Eu não tinha a
menor ideia que uma ação tão simples mudaria minha vida e a de muita gente.
Naquele momento, estava apenas sendo movida pela minha vontade de trocar as
lamúrias, tão frequentes na web, pela gratidão.
Foi uma atitude espontânea.
Confesso que, segundos antes de publicar, cheguei a pensar duas vezes. Senti
vergonha de expor meus sentimentos publicamente. Mas num gesto de ousadia
apertei a tecla “enter”.
E de fato... entrei! Aprendi a agradecer
quando comecei a praticar, em 2008, as
Danças Circulares, uma atividade que integra corpo, mente e emoções,
promovendo união e espírito comunitário. E, desde então, percebi o quanto minha
vida foi se tornando mais brilhante e generosa. Mas fazer isso em silêncio,
embora tenha grande valor e força, é completamente diferente de demonstrar
gratidão abertamente. A mudança de perspectiva me trazia novas possibilidades e
desafios: o olhar dos outros, a interferência positiva ou negativa, a exposição
a comentários, elogios e críticas.
Não sei exatamente o que me
levou a tornar isso público. Talvez uma gratidão transbordante, que não cabia
em mim naquele momento e pediu para nascer. Mas acredito que o mais forte era a esperança de cocriar um universo de
bons sentimentos, pensamentos conscientes e ações lúcidas, aliada à simples
constatação: por onde começar se não por mim mesma?
Esse primeiro agradecimento
gerou um comentário aqui, outro ali e algumas pessoas curtindo. Cada vez mais à
vontade, segui agradecendo, sempre de noite, atenta ao que havia acontecido no
meu dia, iluminando os momentos, amplificando a presença, colecionando emoções
em forma de estrelas. E assim, aos poucos, essa prática se tornou um ritual,
uma espécie de pausa para registrar a quem quer que fosse o que teve
significado no meu dia.
O curioso é que não precisava acontecer
algo muito especial. Podia ser a visão de uma flor no caminho, o abraço de um
dos meus filhos, o sorriso de um desconhecido no supermercado, o amor
incondicional e as brincadeiras dos meus cachorros, um telefonema de um amigo
ou mesmo a ajuda diária das pessoas que nos rodeiam e que tantas vezes
ignoramos. Percebi que quanto mais agradecia, mais tinha a agradecer.
Com o
tempo, mais pessoas curtiam e acompanhavam. Três amigas próximas entraram na
corrente também, inspiradas pelo meu exemplo. E mais gente foi chegando de
maneira bastante espontânea, ampliando a pequena comunidade de “agradecedores”.
Como eu já tinha um número razoável de seguidores, resolvi criar um blog, no
qual compartilho os agradecimentos postados por conhecidos e desconhecidos,
textos e frases que falam sobre a importância de praticar a gratidão.
Lembro até hoje quando recebi a seguinte
mensagem: “não durmo sem ler o seu agradecimento do dia”. Fiquei surpresa! Que
fenômeno era esse que tocava tantas pessoas? Por que um simples gesto de
gratidão inspirava tanto? Fui percebendo que esse ato, inicialmente solitário,
protagonizava uma voz coletiva de humanidade.
O simples, afinal, poderia ser profundo.
Com
o passar do tempo, esse gesto se tornou totalmente incorporado na minha rotina
e na de dezenas de novos adeptos, entre amigos e conhecidos. Percebi que cada
pessoa que iniciava o agradecimento passava por um processo parecido: começava
meio sem jeito e envergonhada e, em pouco tempo, já estava à vontade e
influenciando novos seguidores. Amigos de amigos começaram a fazer. E, dessa
forma, cada um se tornava um agente transformador, espalhando sementes
preciosas de gratidão por aí.
Era
curioso ver os estilos. Alguns colocavam foto, outros começavam sempre
agradecendo a Deus. Tinha gente que escrevia parágrafos inteiros. E aqueles que
ficavam satisfeitos com frases curtas. Alguns gostavam de expor seus
sentimentos marcando pessoas e personalizando ao máximo seus posts. Outros
compartilhavam links com mensagens e Complementavam com um toque pessoal.
Lembro
de um agradecimento que achei muito divertido: eram dias de verão escaldante e
a pessoa agradecia por ter ar condicionado. Independentemente da motivação,
cada post era inspirador. Não nego que durante esses anos eu tive períodos
difíceis, quando agradecer foi forçosamente delicado.
Nas
noites escuras da alma, sempre procurei a sutileza dos aprendizados que me
chegam pela dor. Talvez esses sejam os maiores desafios: exercitar o olhar
grato independentemente da situação que se apresenta; aceitar os fatos como
eles são – positivos ou negativos –, transformando cada dia num generoso campo
de aprendizado; ver beleza nos detalhes, nas miudezas, nos pequenos presentes
desaparecidos aos olhos comuns; identificar o quão preciosa pode ser a
composição da nossa rotina.
Tenho
uma amiga que achou um motivo para agradecer em plena dor, no dia em que
o pai foi enterrado. Nunca esqueci, foi um grande ensinamento para mim. Tempo
de colheita O projeto Um Agradecimento por Dia foi crescendo de maneira muito
orgânica. E a gente sempre acredita que está no caminho certo – mas nunca tem
certeza total disso.
Essa certeza me veio em janeiro de 2014,
quando fui convidada para palestrar no TEDxJardins, em São Paulo, sobre meu
projeto. Eu teria 18 minutos para dar o recado e contar toda a trajetória até
ali, durante um TED, um encontro que tem como objetivo espalhar boas ideias.
Respirei fundo e fui.
Ao final da minha fala, concluí com uma
provocação: pedi para todos da plateia fecharem os olhos e se conectarem com
algo que os fizesse se sentir profundamente gratos naquele instante.
Em
seguida, sugeri que escolhessem alguém para compartilhar. Foi uma comoção
geral. As pessoas não queriam parar de conversar. Do palco, eu via sorrisos,
brilhos nos olhos, amorosidade. A sala inteira estava em estado de gratidão.
Senti a força desse sentimento, potencializada mil vezes. Fiquei arrepiada de
ver! Uma fotógrafa, que eu não conhecia e depois virou amiga e agradecedora, me
falou: “É impressionante o que aconteceu nessa sala. Que poder incrível!” Ela
estava muito emocionada também.
Quando
terminei, fui procurada por outro palestrante, um psicólogo que falaria no
período da tarde, Helder Kamei. Ele me contou sobre a estreita relação entre a
gratidão e a psicologia positiva. Assisti à palestra dele e fiquei bem
impressionada. Aprendi que esse movimento científico, que teve início em 1998
com o psicólogo americano Martin Seligman, redefiniu e expandiu o campo
da psicologia. Seligman apontou a necessidade de mudança no foco das
contribuições da psicologia, da doença mental para as motivações, capacidades e
potenciais humanos. Ele ressaltava que a psicologia não deve ser apenas o
estudo da fraqueza e do dano mas também das forças e virtudes presentes em nós.
Ou seja, tratar não deveria significar apenas consertar o que está com defeito
mas também cultivar o que cada um tem de melhor, promovendo as qualidades em
vez de apenas reparar o que vai mal.
É uma abordagem
científica do que torna a vida mais plena e feliz. E a gratidão – descobri
depois – é um dos pilares essenciais dessa abordagem. Ainda como uma colheita
do meu projeto, no ano passado, concorri ao Prêmio Shift Agentes
Transformadores e fui uma das dez selecionadas – fiquei em quinto lugar. O
prêmio tem como objetivo reconhecer trabalhos que sejam “provas
emocionantes da capacidade humana de transformar o mundo através da
consciência, da compaixão e do propósito elevado”.
O que aprendi com tudo isso? Jamais devemos
duvidar do poder da semente. É ela que carrega toda a história do “vir a ser”.
Em sua aparente miudeza condensa uma força inigualável para brotar o novo.
Lindo de ver e de viver. Até hoje fico encantada em perceber como um gesto tão
simples e pequeno se espalhou e contagiou centenas de pessoas, potencializando
o que há de bom em cada um de nós. Numa época em que ainda se insiste em
propagar violência, tragédias e tudo de pior que o homem pode fazer, essa
prática nasceu na total contramão, mostrando que é possível escolher – a todo
instante – e conectar com o melhor que a vida tem para oferecer.
Ainda
tenho o hábito diário de postar meu agradecimento e também de ler as
publicações dos outros, conhecidos e desconhecidos. É gratificante ser inundada
por pessoas gratas em vez de vozes que reclamam o tempo todo. Parece um
milagre, um mundo paralelo. Sinto que nesses mais de cinco anos de projeto
minha vida melhorou muito.
E isso não significa que eu deixei de ter
problemas. Para mim, exercitar a gratidão é uma filosofia diária, com acesso
livre para qualquer pessoa. Agradecer é celebrar a vida. Ser grato é
principalmente uma escolha consciente de ver o copo meio cheio em vez de meio
vazio. Os dois olhares estão corretos. Qual você quer? Sua colheita dependerá
da sua escolha.
DEBORAH
DUBNER
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