Levar alguns tombos faz parte da vida. Mas é quando dividimos as dificuldades desse período que é possível nos reerguer com mais avidez e coragem
Tarde
de sábado. Você está esparramado no sofá, ainda de pijama, com um balde de
pipoca e assistindo ao mesmo filme pela enésima vez, apesar do dia ensolarado e
do convite para encontrar os amigos. É
que a vida lá fora parece seguir um ritmo dissonante do seu. Além disso, você
está machucado, frustrado, se sentindo um fracasso.
Os motivos que o levaram para esse lugar podem ser variados: o fim de um relacionamento (longo, intenso ou que deveria ser “para sempre”); uma demissão ou aquela promoção que não aconteceu; a aposta no próprio negócio que ruiu e onde você havia apostado todas as fichas; ou a sua decisão errada que afetou uma porção de gente.
Levar um tremendo tombo, cair com a cara no
chão e não saber como se reerguer acontece com todo mundo, mesmo! Mas como
encontrar forças para se levantar? Pois é, esse é o problema. Não sabemos
ou tentamos nos levantar de maneira tão brusca que a próxima queda pode
vir logo em seguida.
É na hora de recuperar a
estabilidade emocional em meio às dificuldades que nossa coragem é testada e
nossos valores são forjados. Dar a volta por cima depois de uma queda é a
maneira de cultivar uma vida plena, além de ser o processo que mais ensina
sobre nós mesmos”, escreve nas primeiras páginas e já adiantando muito do
que o livro traz. Ela mesma, inclusive, conta algumas de suas quedas, o que
sentiu em cada uma delas e como conseguiu sair da situação colecionando bons
aprendizados – e essa abertura para expor seus fracassos, por si só, já é linda.
Vamos falar sobre
isso?
Brené Brown dedicou mais de dez anos de sua
carreira para pesquisar, pela Universidade de Houston (EUA), a vulnerabilidade
ou por que fugimos de emoções como medo, mágoa, decepção. Ela se tornou
mundialmente conhecida depois que falou sobre isso no
TEDxHouston conferência que tem como objetivo disseminar boas ideias, em
2010.
A
palestra já foi assistida por mais de 25 milhões de pessoas e está entre os
maiores sucessos do TED. Seu último livro, Mais Forte do que Nunca, é um desdobramento
dessa ampla pesquisa sobre a vulnerabilidade. Nele, ela esmiúça nossos tombos
e, já nas primeiras linhas, revela algo que faz muito sentido: não sabemos como lidar com nossos fracassos
porque não falamos sobre isso. Por exemplo, quando lemos ou tomamos
conhecimento de histórias de superação, em geral, ficamos com a impressão de
que todo mundo cai, mas sempre se levanta num passe de mágica. É a história de
alguém que emagreceu muitos quilos, com imagens do “antes” (uma foto no
seu pior ângulo) e “depois” (feliz e bem-vestido).
Mas ninguém sabe como foram os dias em que
aquela pessoa quis colocar tudo a perder; como se sentiu solitária em meio ao
desânimo ou onde buscou energia para seguir em frente com as mudanças na
alimentação, seu esteio emocional, e no estilo de vida.
Trazendo
isso para mais perto, sabe aquele seu amigo que era diretor de uma
multinacional e foi demitido? Pior, depois de meses de incerteza, ele conseguiu
um novo emprego, só que em um cargo e com um salário menor (mas a gente não
deveria sempre andar para a frente?). Certamente nem você – nem ninguém –
conversou com ele. Como sobreviveu à incerteza? E o que está sentindo agora:
frustração, mágoa? Ninguém sugere algo como: “Quer conversar sobre isso? Estou
aqui para ouvi-lo...” Provavelmente, nem o amigo nem você vão se sentir à
vontade com esse diálogo. Ninguém está imune ao fracasso, a cair com a cara no
chão da vida e machucar dolorosamente a alma.
Todo mundo pode passar por isso – incluindo
eu e você – muitas e muitas vezes ao longo da jornada. A questão é que existe
uma diferença enorme entre aprender com esse momento e sair dele mais forte ou
fingir que o tombo não doeu e passar o resto dos dias usando curativos para
estancar o sangramento (somos craques em camuflar a dor). “Nada é perfeito, mas
é possível usar nossas inevitáveis falhas para inspirar a inovação.” É isso o
que acredita a canadense Ashley Good, que criou uma organização chamada,
veja só, Fail Forward (Fracasse para a Frente, em tradução livre).
O trabalho de Ashley é ajudar pessoas e
empresas a expor seus fracassos. Segundo ela, é através dessa aceitação – sim,
nós falhamos, erramos, nos demos mal em relação às nossas escolhas – que vamos
conseguir sair de tudo isso mais fortes. No caso das empresas, é uma forma de
chegar à almejada inovação.
Ashley
percebeu, na prática, que, quando um líder assume seus erros, em vez da temida
chacota, recebe em troca uma equipe mais próxima que percebe ali não um chefe
infalível, mas uma pessoa como eu e você. E isso muda tudo. Ashley ajudou a
fundar um site bem interessante, o AdmittingFailure.com (admita seu fracasso), no qual é
possível compartilhar casos de insucesso e as lições tiradas de cada um deles.
Os tombos que levamos por aí são também o mote do livro da americana Sarah
Lewis O Poder do Fracasso (Sextante).
“Com certo distanciamento crítico, somos
capazes de ver que muitas de nossas conquistas mais grandiosas – desde
descobertas recentes do Prêmio Nobel, passando por clássicos da literatura, das
artes plásticas e da dança, até empreendimentos inovadores, revolucionários –
foram, na verdade, não proezas revolucionárias, mas correções graduais, ajustes
incrementais, com base na experiência adquirida depois do disparo da flecha
anterior”, escreve Sarah. Ao longo dos capítulos, ela conta casos reais de
fracasso, que ela prefere chamar de aprendizado ou aprimoramento (e talvez
esteja certa em fazer isso).
O mais
bacana é que ela lança um olhar humano em relação aos nossos tombos, dizendo,
por exemplo, que falhar pode ser o fim de algo ou o início de possibilidades
infinitas. E é essa forma de encarar as coisas com compaixão, aceitação das
fraquezas e erros – e da gente ser quem realmente é – que nos torna aptos a
superar fases assim como pessoas, e não como heróis.
Medo do
quê?
A americana Brené Brown costuma dizer que
quando caímos somos tomados pelo medo: do lugar onde fomos parar (perde-se o
chão), de expor nossas falhas e imperfeições. O psiquiatra e professor de psicologia da PUC-SP Alexandre Saadeh
explica o que acontece nesses momentos de crise. “Saímos da zona de conforto
para um lugar onde tudo se perde. É difícil não sentir seu impacto, porque é
uma situação de perda. Lamentamos pelo que estava garantido, que era uma
certeza e foi perdido.” E completa: “É natural lamentar por aquilo que se
perdeu, mas é necessário buscar um novo lugar, ter a disponibilidade de
arriscar outras possibilidades. É nessas horas que medimos a capacidade que
temos de nos adaptar a situações novas, de fazer uma reavaliação e mudar”.
Quando caímos é como se alguém apagasse todas as luzes e tivéssemos que tatear
um caminho desconhecido na escuridão.
O
psicólogo americano Timothy Butler, da Universidade de Harvard, escreveu sobre
isso em Como Sair do Impasse: Como Transformar Crises em Oportunidades
(Campus). “Temos a sensação de que a vida está fluindo ao nosso redor, mas que
somos como uma rocha em um rio, ansiando para sermos levados e transformados
pela energia do rio.
Quando
estamos presos em um impasse, esquecemos que a próxima coisa que nos despertará
e nos energizará profundamente já está em movimento, se deslocando na direção
de nossa consciência. Quando atingimos
um beco sem saída, algumas vezes deixamos de perceber que se trata de uma crise
necessária. Sem ela não podemos crescer, mudar e, mais cedo ou mais tarde,
viver plenamente em um mundo mais amplo”, explica ele.
Essa
sensação foi experimentada pela empresária e designer digital Gabriela
Rodrigues, há dois anos. Como qualquer estudante, ela começou a faculdade cheia
de empolgação, certa de que assim que colocasse as mãos no diploma pelo menos
uma grande empresa reconheceria seu talento e lhe daria um bom cargo.
Antes do que pensava conseguiu um estágio na
área de criação em uma das maiores editoras do país. Mas sua alegria acabou
junto com a graduação. Gabi foi demitida porque a empresa estava passando por
cortes. E ela engrossou, de uma hora para outra, a rotina de milhares de
brasileiros que procuram emprego todos os dias. Durante um ano, usou todas as
suas manhãs para enviar currículos até perder a conta de quantos.
Depois
de muito esperar por uma resposta positiva, participar de infindáveis
entrevistas e ouvir sempre o mesmo “não”, sentiu-se profundamente abalada,
mesmo contando com o apoio do marido. “Passei
a acreditar que eu não sabia fazer nada. Me esforcei para pagar por todo aquele
conhecimento e ele agora não servia para nada. Acreditei que tudo havia sido em
vão”, conta. Sentimentos como os descritos por Gabi são bem normais. Quando
fracassamos – ou quando algo não sai exatamente da maneira como imaginávamos –
a sensação é de que “somos” aquilo: um grande fracasso.
E é nesse momento em que tudo parece
péssimo que precisamos compartilhar nossos sentimentos com outras pessoas. Pode
ser com alguém da família (cônjuge, irmão, primo querido) ou um amigo próximo.
Um terapeuta também pode ajudar nessa fase.
Recorrer à espiritualidade é outra
alternativa de grande valia. E isso não se restringe a uma crença religiosa. A
espiritualidade de que estamos falando é aquela que alimenta a alma. Tem gente
que encontra esse refúgio para o espírito em uma atividade esportiva, como a
corrida, o ciclismo, uma arte marcial, ou em outras variações, como a
jardinagem, a pesca, a pintura, a culinária. Cada um sabe o que traz calma para
a mente e aconchego para o coração.
A
americana Julie Powell, protagonista de Julie & Julia (Record), que depois
ganhou versão para o cinema, encontrou na cozinha seu refúgio para entender o
que havia dado de errado em sua vida. Num momento de profunda insatisfação com
a carreira – ela se sentia um completo fracasso, principalmente em comparação
às amigas –, decidiu refazer, receita por receita, o livro da incrível
culinarista Julia Child, que teve papel importante na gastronomia americana.
A
comida, nesse caso, a salvou. Mas não pense que foi algo fácil no estilo “do
fracasso ao sucesso”. No meio do percurso, ela teve várias outras quedas, com
direito a lágrimas e crises: o casamento ficou por um fio, teve algumas
decepções consigo mesma e com os outros, e precisou enfrentar seu medo de
começar o projeto de cozinhar e escrever um blog, onde postava suas
experiências ao preparar as receitas,
Trajetória
não muito diferente foi a da também americana Cheryl Strayed, registrada no
best seller Livre (Objetiva). Aos 22 anos, a mãe, a pessoa mais importante de
sua vida, morreu após um câncer devastador. Cheryl se viu sem chão. Mas ao
invés de procurar apoio, se fechou e optou por não expor a dor. Acabou se
afastando da família e do marido, de quem se separou depois. Aos 26, estava
sozinha e em um poço bastante fundo.
Foi
quando decidiu, como última cartada, percorrer a Pacific Crest Trail (PCT), uma
trilha de 1.770 km, sozinha. Ela acreditava que na solidão iria conseguir
encontrar as repostas que buscava. Sim, ela ficou só em muitos trechos,
enfrentou momentos de dor física e emocional.
Também pagou o preço por suas decisões
equivocadas, da mochila pesada ao tênis apertado, mas foi com as pessoas que
conheceu pela trilha que aprendeu mais sobre a PCT e sobre si mesma. Ou seja, para se reerguer é preciso
silenciar para ouvir onde dói ou perceber em qual direção o caminho aponta. Para
Cheryl foi a diferença entre passar a vida olhando para o chão, se sentindo a
pior pessoa do mundo, ou para a frente e perceber que o universo é bem mais
amplo, cheio de estrelas e de possibilidades de estradas para trilhar.
Silenciar
para ouvir
A
psicóloga e escritora americana Barry Stevens é autora de um livro conhecido
mundo afora, Não Apresse o Rio – Ele Corre Sozinho (Summus). Nele, ela se
utiliza da citação zen que dá título a obra para falar sobre algo que precisamos
aprender e que cabe muito bem aqui: “Deixar-se ir junto com a vida, sem tentar
fazê-la ir para algum lugar, sem tentar fazer com que algo aconteça, mas
simplesmente ir, como o rio. E, sabe, o rio, quando chega nas pedras,
simplesmente se desvia, dá a volta. Quando chega a um lugar plano, ele se
espalha e fica tranquilo. Simplesmente vai se movendo junto com a situação em
torno, qualquer que seja ela”.
Uma das inspirações de Barry foi observar
como os índios americanos extraíam das dificuldades recursos internos para se
desenvolver como pessoas e para aprimorar o trabalho. É preciso calma e também
confiança nos movimentos da vida. As crises nos levam diretamente ao
desespero. Por sua vez, o desespero dá um nó nos pensamentos e tira a nossa
capacidade de refletir em relação às atitudes, sentimentos e escolhas.
“As pessoas são criadas com a ideia de que
tudo vai continuar garantido, que a segurança nunca vai faltar. Isso é ruim,
porque sempre vai acontecer alguma coisa para nos desestabilizar. Quando
levantamos da cama e saímos, já estamos expostos a riscos. Ou nos arriscamos ou
nos contentamos com a vida do jeito que está. Ou acreditamos na nossa
capacidade de escolher ou seremos sempre aquela figura frágil, que a vida
escolhe o que quer”, afirma Alexandre Saadeh. Lembram da Gabriela Rodrigues, a
designer cuja história foi compartilhada na página anterior?
Ela se
sentiu fracassada por algum tempo e também envergonhada. Mas soube buscar ajuda
– o marido foi incrível nisso e os amigos também –, expor suas fraquezas e
traçar, aos poucos, uma nova rota. Voltou ao passado e ao passatempo antigo de
fazer trabalhos manuais para presentear pessoas queridas e enxergou ali uma
oportunidade. Procurou a ajuda do Sebrae, fez cursos diversos e optou por algo
bem familiar em tempos de instabilidade econômica: montou um negócio próprio,
uma loja virtual onde vende objetos decorativos produzidos com materiais
reutilizados, como garrafas, CDs e discos de vinil.
Em
poucos meses de atividade, já participou de feiras de rua, foi convidada para
oficinas e exposições e recebe encomendas pelo site e redes sociais.
“Me
senti capaz de novo, embora a parte financeira ainda não esteja equilibrada.
Mas estou pessoalmente realizada. Às vezes fico frustrada quando não vendo como
gostaria, mas transformo o desapontamento em aprendizado”, diz. Não existem
garantias de que o negócio de Gabi vai dar certo. Se, por acaso, as coisas
desandarem, ela com certeza já saberá lidar com a situação com mais sabedoria.
Ela, afinal, aprendeu algo que boa parte de nós derrapa para compreender:
perdemos tempo demais evitando nossas
histórias difíceis, dores e fracassos. E não percebemos que são exatamente os
ensinamentos dos caminhos mais complicados que nos trazem força para chegar
aonde desejamos, de verdade.
Retirado do link :