Aí qual é o seu problema mesmo?
Quando
ele nasceu em casa, com a cabeça pendida para trás e pernas e braços
atrofiados, chegaram a sugerir que os pais nem o alimentasse porque, afinal,
não sobreviveria por muito tempo.
Algumas horas depois do parto, foi batizado
para não morrer pagão. Mas Claudio Vieira de Oliveira, 40, não só sobreviveu,
como ganhou autonomia a ponto de se formar contabilista e hoje se sustentar com
o trabalho e com palestras motivacionais.
Suas histórias
compõem a obra "O Mundo está ao Contrário" (Bella editora)
São
muitas as lembranças de Claudinho, esse baiano da pequena Monte Santo (373 km
de Salvador). A começar pela primeira delas, quando começou a andar de joelhos,
aos oito anos. Até então, passava o tempo em uma esteira, no chão, ou sendo
carregado pela mãe, Maria José.
"De uma hora para outra, me virei e
passei a me arrastar de joelhos. Ganhei uma autonomia impensável para a minha
família", conta.
Hoje, dentro de casa, anda por conta
própria usando uma órtese nos joelhos. "Chamo-as de minhas botas."
Claudinho
precisa de ajuda para as necessidades fisiológicas e para o banho, mas se
alimenta sozinho. Come diretamente no prato e bebe líquidos virando o copo com
a boca ou usando um canudo.
Lê jornais
e livros e assiste à TV, deitado ou apoiado nos joelhos. Com a caneta na boca,
digita no computador.
O primeiro contato com a escrita aconteceu
aos seis anos, quando pediu para que a mãe colocasse um lápis na sua boca. Com
a ajuda de uma conhecida, teve as primeiras noções do alfabeto e da aritmética.
Escola ele só frequentou aos 15 anos, quando foi alfabetizado.
FACULDADE
Para
frequentar o ensino médio e cursar magistério, um amigo o carregava nos braços.
"Muita gente dizia: 'Você é maluco
[de fazer magistério]. Como vai ao quadro negro? ' Mas eu gosto de provar que
sou capaz", diz.
E ele continuou mostrando que podia ir mais
longe, ao entrar na faculdade de contabilidade em Feira de Santana, a 258 km de
Monte Santo. Sem recursos, contou com um "mutirão" de amigos.
Um
casal de evangélicos conseguiu uma bolsa de estudos na faculdade e o ajudou com
a moradia. Um outro amigo o carregava nos braços até a faculdade.
Eram três horas e dois ônibus lotados até
chegar ao destino. "Ficávamos um tempão esperando ônibus no sol. Eu, que
sou vaidoso até não poder mais, chegava derretendo na escola", lembra.
Já
formado, abriu uma LAN house, a primeira de Monte Santo. Durou três anos. "Só fechou porque todo mundo passou a
ter acesso à internet." Hoje trabalha em casa, prestando serviços de
informática e de
contabilidade.
A
aptidão para ser palestrante surgiu quando um padre o convidou para dar
depoimento na igreja. Logo sua história chegou aos ouvidos de outro padre, o
missionário da Ilha de Malta George Grima, que o convidou
para palestrar na Europa.
Na
Itália, em 2000, encontrou o papa João Paulo 2º. "Ele chegou, me abençoou,
abraçou, me deu um beijo na testa e um rosário que guardo como relíquia."
Em 2014, foi a vez de conhecer o papa Francisco, no Rio de Janeiro.
Segundo
ele, as duas bênçãos papais o fortaleceram, do ponto de vista pessoal e
profissional. "Nunca mais deixei de
receber convites." Em 2014, foi duas vezes aos EUA. Em uma delas,
palestrou para dependentes químicos na Filadélfia.
Até
hoje, só recusou convite para uma palestra, no Iraque. A mãe vetou, achou
perigoso. "Brinco muito com meus
erros, tiro sarro dos foras que dou. Não me faço de coitadinho nunca.
Simplesmente porque não me acho.
Tem gente que se acha feia. Eu não. Me olho no espelho todos os dias e falo:
'cara, você é bonito pra caramba!'"
No ano
passado, um grupo de pesquisadores da universidade Harvard (EUA) e de Brunel,
em Londres, esteve em Monte Santo para examinar Claudinho. Foi quando, aos 39
anos, descobriu o nome da sua doença: artrogripose múltipla congênita.
Também
em 2015 uma equipe de médicos da Filadélfia chegou a propor uma cirurgia
corretiva experimental, mas ele recusou a oferta. As chances de sucesso de
corrigir o pescoço sem que ele fique paralisado da cabeça para baixo é de menos
de 10%.
"Não quero, nesta altura da vida, aos
40 anos, mexer em um corpo que foi obrigado a se adaptar por décadas. E se eu
ficar ainda mais dependente? Mil vezes ser assim e poder viajar, sair com
amigos, conhecer pessoas."
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