segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Entrevista com Tatiana Takeda


    A Lei Brasileira da Inclusão trouxe esperança para as famílias de crianças com Transtorno do Espectro Autista, especialmente no âmbito da inclusão escolar

                                 

Mas os familiares ainda tem algumas dúvidas em relação ao funcionamento da lei e como recorrer seus direitos. Para esclarecer o tema, a Academia do Autismo convidou a Advogada e Professora Tatiana Takeda, especialista e mestre em Direito e especialista em Ensino Estruturado para Autistas.


1) Tatiana, com a nova lei, as escolas não podem negar matrícula de alunos com necessidades especiais, nem cobrar taxas extras em mensalidades. Qual é a pena para o descumprimento dessas normas e a quem a família deve recorrer?

Com o advento da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), tivemos grandes avanços. Um deles é com relação à matrícula. Antes, o gestor era taxativo ao negar a matrícula ao aluno com algum tipo de deficiência. Hoje, ciente das sanções e de que tal conduta tornou-se crime, o gestor não se nega a matricular esse aluno de inclusão. Infelizmente, o que vemos são gestores tentando persuadir os pais a não matriculá-lo sob o argumento de “falta de condições de atendimento apropriado”.

É importante que as famílias tenham consciência de que TODA escola tem a obrigação de assumir todos os alunos. A partir do momento que ela se dispõe a atender a sociedade com seus serviços na área da educação, também se dispõe a atender todo o público, ou seja, alunos com ou sem deficiência. 
Por oportuno, destaco que o artigo 98 da LBI alterou o artigo 8º da Lei nº 7.853/1989:
•Art. 8o Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
•I – recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência;
•II – obstar inscrição em concurso público ou acesso de alguém a qualquer cargo ou emprego público, em razão de sua deficiência;
•III – negar ou obstar emprego, trabalho ou promoção à pessoa em razão de sua deficiência;
•IV – recusar, retardar ou dificultar internação ou deixar de prestar assistência médico-hospitalar e ambulatorial à pessoa com deficiência;
•V – deixar de cumprir, retardar ou frustrar execução de ordem judicial expedida na ação civil a que alude esta Lei;
•VI – recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil pública objeto desta Lei, quando requisitados.
•§ 1o Se o crime for praticado contra pessoa com deficiência menor de 18 (dezoito) anos, a pena é agravada em 1/3 (um terço).
•§ 2o A pena pela adoção deliberada de critérios subjetivos para indeferimento de inscrição, de aprovação e de cumprimento de estágio probatório em concursos públicos não exclui a responsabilidade patrimonial pessoal do administrador público pelos danos causados.
•§ 3o Incorre nas mesmas penas quem impede ou dificulta o ingresso de pessoa com deficiência em planos privados de assistência à saúde, inclusive com cobrança de valores diferenciados.
•§ 4o Se o crime for praticado em atendimento de urgência e emergência, a pena é agravada em 1/3 (um terço). 
Veja-se que o § 1º veio majorar a pena quando o crime for praticado contra pessoa com deficiência menor de 18 (dezoito) anos. 

2) A Lei dá o direito de acompanhante para a criança, mas no Brasil, muitos autistas ainda não tem laudo. Como a família pode conseguir o acompanhante (mediador) sem o diagnóstico?

Como bem dispõe o artigo 27 da Lei Brasileira de Inclusão, “a educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

Parágrafo único: É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação”.

É notório que lidar com a verdadeira inclusão da pessoa com deficiência é uma novidade em todos os setores da sociedade. No caso da Educação, para auferir sucesso, é necessário que o processo de aprendizagem seja caracterizado pela consciência de que todos têm direito ao aprendizado, na medida de suas possibilidades, bem como ao respeito, insistência, profissionalismo e efetividade.

A partir do momento em que o médico responsável emite um relatório em que aduz as dificuldades daquela criança, fica comprovada as suas necessidades. Embora o aluno não tenha laudo, por exemplo, de autismo, o relatório pode indicar quais são as atividades para as quais ele precisa de acompanhamento para poder aprender.

 O aluno não precisa de laudo com diagnóstico preciso para ter direito ao aprendizado. A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescentes, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Lei Brasileira de Inclusão e outras normas são taxativas ao defender o direito de aprendizagem.

3) Quem deve arcar com os custos do acompanhante e com a capacitação desse profissional?

O artigo 28 da LBI é claro ao dispor que a família não poderá ser cobrada pelo oferecimento deste profissional imprescindível ao processo de aprendizagem do aluno com deficiência.

Tanto no ensino público como privado, o professor de apoio (ou acompanhante de apoio ou mediador) deverá estar sempre sendo capacitado, como todos os demais profissionais envolvidos com a Educação (capacitação inicial e continuada). 

Defendo que no ensino público, esse profissional deve ser concursado e não um temporário, pois quando está se adaptando ao aluno o contrato termina. Demais disso, o professor de apoio concursado (ensino superior) estará sempre acumulando conhecimento e mais experiência, tornando-se cada vez mais conhecedor das melhores formas de ENSINAR o aluno com deficiência.

As escolas particulares, assim como as públicas, estão obrigadas a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem; implementar projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade; permitir a participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar; implementar programas de formação inicial e continuada de professores; assegurar o acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas, oferecer profissionais de apoio escolar, entre outros.

4) Que outras garantias, a Lei Brasileira de Inclusão trouxe para as família de crianças com TEA?

A LBI contemplou várias áreas. Dentre outras, é importante ressaltar que os artigos 6º e 10º dispõem que a pessoa com deficiência será considerada vulnerável, e portanto, deve o poder público adotar medidas para sua proteção e segurança. A criança, o adolescente, a mulher e o idoso com deficiência são considerados especialmente vulneráveis. 

Com relação ao atendimento preferencial (artigo 9º), especialmente com a finalidade de proteção e socorro, atendimento em todas as instituições e serviços de atendimento ao público, disponibilização de recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, que garantam atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas, disponibilização de pontos de parada, estações e terminais acessíveis de transporte coletivo de passageiros e garantia de segurança no embarque e no desembarque, acesso a informações e disponibilização de recursos de comunicação acessíveis, recebimento de restituição de imposto de renda e tramitação processual e procedimentos judiciais e administrativos em que for parte ou interessada, em todos os atos e diligências.

 Estes direitos são estendidos ao acompanhante da pessoa com deficiência ou ao seu atendente pessoal, exceto quanto em relação ao recebimento do Imposto de Renda e da tramitação em processos e judiciais e administrativos. 
No que toca ao atendimento prestado à saúde (artigo 18), é dever do estado prestar saúde para todos. Assim, a pessoa com deficiência tem assegurada atenção integral à saúde em todos os níveis de complexidade, por intermédio do SUS, garantido acesso universal e igualitário.

Quanto aos planos de saúde, o tratamento não pode ser diferenciado em razão da deficiência (artigo 20) .

 As operadoras de planos e seguros privados de saúde são obrigadas a garantir à pessoa com deficiência, no mínimo, todos os serviços e produtos ofertados aos demais clientes. Além disso, são vedadas todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência, inclusive por meio de cobrança de valores diferenciados por planos e seguros privados de saúde, em razão de sua condição.

Referente às principais ações a serem adotadas pelo poder público para promover a educação inclusiva da pessoa com deficiência é relevante que se saiba sobre sua obrigação em garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem; implementar projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade; permitir a participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar; implementar programas de formação inicial e continuada de professores; assegurar o acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas, oferecer profissionais de apoio escolar, entre outros, nos termos do artigo 28 da LBI.

Demais disso, é pouco difundido, mas existe prioridade na reserva de, no mínimo, 3% (três por cento) das unidades habitacionais para pessoa com deficiência. Assim, tem-se prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria, pelos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos.

Com relação ao mercado de trabalho, a LBI manteve as cotas para pessoas com deficiência na iniciativa privada e na administração pública.

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) também foi mantido, nos termos do artigo 40.
Além destes direitos, a LBI também pronunciou-se a respeito de vagas de estacionamento, transporte, acessibilidade, voto, discriminação e outros assuntos que devem ser de conhecimento de toda a sociedade.

5) Que recado você gostaria de deixar para as famílias que encontram dificuldades em construir uma inclusão escolar verdadeira?

Não desistir.

Ocorre que as tribulações do dia a dia acabam por frustrar as famílias. Muitas chegam a dizer que “não existe inclusão de verdade” e param de lutar pela inclusão idealizada. As conquistas são paulatinas e as famílias não podem deixar de buscar os direitos de seus protegidos. A história nos mostra que a conquista de direitos nunca foi fácil. Sempre foram exigidos muita persistência, suor e perseverança. A cada “tombo” devemos aprender e ficar mais fortes. Nenhuma família está isenta de passar por situações constrangedoras, mas todas devem lutar pelos seus autistas.

Tatiana Takeda é advogada, coordenadora da Subcomissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da OAB/GO, servidora pública, professora do Curso de Direito da Puc Goiás, blogger da Revista Ludovica (Blog Viva a Diferença!), administradora da página Autismo, Direitos e Inclusão (facebook), especialista e mestre em Direito e especialista em Ensino Estruturalizado para Autistas.

       Retirado do link :

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