E a minha vida hoje é 10 mil vezes melhor por isso
O médico chamou minha mãe para um canto e falou algo. Ela imediatamente caiu no chão, aos prantos. Não consegui escutar a conversa – emergência de hospital é lugar barulhento! Mas naquele momento eu soube: estava paraplégica. E tinha ficado assim por causa de um... abdominal!
O momento em que quebrei a
coluna foi filmado
Fazia quatro meses que eu havia virado “rata
de academia”. Embalada pelo fim de um namoro e determinada a me livrar de 9 kgs
extras que o hipotireoidismo havia colocado sobre meu corpo, acabei viciada em
malhar. Por isso, mesmo cansada e suada, resolvi esticar o treino no fim
daquela tarde de sexta-feira com uma série de abdominal morcego – aquele em que
você eleva e abaixa o tronco enquanto fica pendurada de cabeça para baixo numa
barra, sabe?
Enquanto colocava um caixote de madeira
embaixo da barra para conseguir subir nela, pedi que um amigo filmasse minha
performance. Na terceira repetição, me desequilibrei e caí de nuca no caixote.
Em segundos o pessoal da academia me rodeou, desesperado. Mantive a calma e
tentei me levantar. Quando vi que minhas pernas não respondiam ao meu comando,
pedi que não me movessem. “E chamem minha mãe!”, gemi, enquanto uma dor
impensável se espalhava pelo meu corpo todo.
“Você nunca mais vai andar”
Minha mãe logo chegou, olhos arregalados de
medo. Para não assustá-la ainda mais, me segurei e não chorei. Só transpareci
meu sofrimento quando os socorristas do SAMU – que demorou 40 minutos para
chegar... – colocaram o colar cervical no meu pescoço. Uivei de dor!
Fui levada para um hospital público, onde me
atenderam com urgência por causa da pancada na cabeça. Após uma tomografia,
chegaram a duas conclusões: uma vértebra havia sido quebrada e eu nunca mais
iria andar.
Sete horas depois de dar entrada no
pronto-socorro, fui transferida para uma clínica particular. Vivi um pesadelo
nos 20 km até lá! A dor causada por cada solavanco me tirava o fôlego.
Como a lesão era no osso, os analgésicos não
davam conta. Só no dia seguinte eu senti algum alívio. E foi meramente físico,
pois o médico que veio me ver explicou que a medula estava bastante
prejudicada, muito provavelmente perfurada. “É possível que você chegue a se
levantar um dia, mas caminhar? Nunca mais!”, cravou.
E mais essa: a cirurgia
infeccionou!
Não acreditei no veredito do doutor. A gente
nunca pensa que uma coisa dessas vai acontecer com a gente. Por isso, quando
acontece, custamos a aceitar. Além disso, recebi tantas visitas no domingo, que
me senti amada, forte. Sem pensar direito no que tinha acontecido, eu nem
consegui ficar triste..
Na segunda à noite, passei 4h30 na
mesa da operação, numa cirurgia destinada a colocar minha coluna no lugar.
Puseram duas hastes de titânio e 12 parafusos e descobriram que a medula não
tinha sido perfurada. Opa, eu tinha chances de voltar a andar. Porém, o
processo demoraria de um a dois anos. E eu nem imaginava, mas antes dele teria
de enfrentar um desafio mais urgente: uma osteomielite.
Trata-se de uma infecção no osso – como
demorou três dias para fazerem a cirurgia, juntou sujeira do próprio organismo
no local da lesão, que infeccionou. Resultado? Dor, dificuldade de comer e um
corte que não fechava por nada.
Nesse momento, meu estado tinha passado de
grave para gravíssimo, disseram para os meus pais esquecerem a chance de voltar
a andar ou não e só se preocuparem com a minha vida, que estava em risco.
Depois de duas semanas tomando antibióticos sem sucesso, voltei para a sala de
operações. Lá, limparam a lesão e controlaram uma hemorragia interna.
Correu tudo bem no procedimento, mas três dias
depois dele uma enfermeira que me ajudava a tomar banho me tirou da cama e me
soltou. Caí no chão, o dreno rompeu e começou a sangrar. Naquela noite, tive
febre e desmoronei. Toda força de até então foi para o ralo. Chorei sem parar,
me senti fraca e incapaz. A febre me impôs uma terceira operação, para limpar
novamente e evitar outra infecção. O tormento parecia não ter fim!
A ficha caiu... e eu me
desesperei!
No dia 30 de outubro, após quase um mês
internada, tive alta. Foi a maior alegria do mundo para mim, eu chorava de
emoção. Mas a euforia virou desespero logo após o jantar. É que, ao perceber
como seria complicado me locomover de cadeira de rodas em casa, tive a dimensão
do quanto seria difícil me recolocar na vida e no mundo.
Foi a pior noite da minha vida. Em desespero,
me permiti chorar e desejei ter morrido. Mesmo com o apoio dos meus pais e dos
meus irmãos, vivenciei os primeiros dias como que num pesadelo.
Que
só teve fim quando um anjo chamado Serginho adentrou a porta do meu
quarto.
Fisioterapeuta
e amigo do meu irmão, ele veio me visitar e me resgatou do fundo do poço. Sem
me prometer nada nem me dar prazos, me ensinou a acreditar de novo na minha
recuperação. Me encheu de esperança ao dizer que lutaria comigo para que eu
recuperasse meus movimentos.
Já
na primeira visita iniciou seu trabalho. Eu não mexia nada da cintura para
baixo. Fazia sessões todos os dias, de 1h a 3h. Após inúmeras tentativas
de fazer meu pé mexer, senti como se minha pele estivesse esticando. Eram meus
dedos respondendo ao meu comando! Foi muito leve, mas tão intenso que acordei
minha mãe para perguntar se era real. Ela filmou, acordou a casa toda, que vibrou,
emocionada.
Aquilo foi decisivo para que eu acreditasse
mais na minha recuperação. Evolui nas sessões de físio e fazia lições de casa
quando Serginho ia embora. Duas semanas após sair do hospital, consegui
levantar. Comecei, então, a treinar dar passos e, segurando no pescoço do
Serginho, andei. Meu pai comprou um andador para mim e uma amiga me emprestou
muletas. No natal de 2013, dei os primeiros passos sem ajuda.
Precisei de terapia para me
sentir confiante de novo
Levei quase um ano para retomar minha rotina
normal, com direito a trabalhar e treinar com personal. Precisei fazer terapia
para voltar a me sentir confiante com o apoio da muleta ou da cadeira de rodas.
Havia perdido a vontade de ir para rua. Eu via as pessoas me olhando sem
entender ou questionando o fato de uma paraplégica se divertir.
Meus amigos me ajudaram e me levantaram muito,
brincavam com a situação e me divertiam. Aprendi que tudo dependia de como eu
reagiria. Mas paquerar era muito difícil. Uma vez, num bar, um cara me
paquerava enquanto eu estava sentada. Quando levantei com a muleta, ele desviou
o olhar e fingiu que nada tinha acontecido. Isso me destruiu, mas ao mesmo
tempo me fez entender que minha condição afasta muita gente que não acrescenta
em nada.
Passei a postar sobre isso no blog Go, Gena
(que comecei a fazer quando ainda estava internada). Uma amiga me indicou para
uma fotógrafa que tinha um projeto para recuperar a autoestima das mulheres e
ela me convidou para posar. Achei o
resultado tão incrível que percebi que não existe diferença de beleza pela
limitação física. Sou bonita sim e pronto. Ninguém tinha que se lamentar pela
minha situação.
Parte de mim foi embora no
acidente
Não
tem como alguém passar pelo o que eu passei e continuar igual. Eu sou outra.
Aprendi a acreditar mais em mim, não me deixar abalar pelas coisas difíceis e a
escolher melhorar cada dia mais. Fiquei forte. Eu era muito inquieta e
insatisfeita com tudo. Hoje vejo o lado bom de todas as coisas.
Passei no concurso de escrivã da polícia
civil, estou escrevendo o livro da minha história e participo de palestras
motivacionais. Eu me arrependo demais de ter pensado em morrer, mas fez parte
de um momento de desespero. Faz três anos e quatro meses do acidente e minha
vida é dez mil vezes melhor hoje.
Maria Eugênia, 31 anos,
jornalista, Jaboatão dos Guararapes, PE
Vídeo do acidente
História
completa
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