Um ótimo alerta para pais e educadores
Um astronauta acaba de se
deparar com a imensidão do espaço. Por algum motivo, suas amarras de proteção
são desfeitas e ele não vê alternativas para voltar à nave, menos ainda para
voltar à Terra. Ele agora está à deriva na imensidão do espaço.
O quão desesperador isso lhe
parece? Esta metáfora foi usada pelo psicólogo americano Douglas Riley para
definir a sensação depressiva de uma criança.
No livro The Depressed Child: A Parent’s Guide
for Rescuing Kids(Criança Deprimida: um Guia para Pais Resgatarem
os Filhos, em tradução livre), o
especialista explica que pensamentos negativos, como “ninguém gosta de mim”,
“sou inferior” e “a morte é a melhor saída” não são restritos aos adultos.
Pelo contrário, a depressão em
crianças e adolescentes tem aumentado consideravelmente em todo o mundo, como
mostram dados médicos recentemente divulgados.
Um guia do National Institute for Health and Care Excellence
(NICE), no Reino Unido, alertou: já são mais de 80 mil crianças da região
diagnosticadas anualmente, 8 mil delas menores de 10 anos.
Em maio, a Organização Mundial
da Saúde (OMS) revelou que o transtorno depressivo é a principal causa de
incapacidade de realização das tarefas do dia a dia entre jovens de 10 a 19
anos.
No Brasil, não é diferente. Embora não haja dados estatísticos,
estima-se que a incidência do distúrbio gire em torno de 1 a 3% da população
entre 0 a 17 anos, o que significa, mais ou menos, 8 milhões de jovens.
O que está por trás
dessa epidemia?
Os transtornos mentais podem ser acionados
por qualquer gatilho - leia-se, situação ou experiência frustrante que a
criança tenha enfrentado -, como
separação dos pais, morte de um parente, bullying na escola, abandono, abusos
físicos ou psicológicos, mudanças bruscas e alterações no padrão de vida.
No entanto, o estilo de vida que levamos pode
favorecer a manifestação da doença, como explica Marco Antônio Bessa,
psiquiatra do Hospital Pequeno Príncipe (PR): “Muitas crianças estão com a agenda lotada de compromissos, o que eleva
o grau de estresse, dormem mais tarde, ficam fechadas em ambientes como
apartamentos e shoppings, usam aparelhos eletrônicos excessivamente, sob risco
de aumento de ansiedade e restrição do contato social, e convivem menos com
seus pais”.
Há, ainda, um fator genético
que exerce influência. A ciência já comprovou que, quando há episódios de
depressão na família, a probabilidade de a criança desenvolver algum transtorno
mental aumenta consideravelmente.
Se as vítimas forem mãe ou pai,
as chances podem ser até cinco vezes maiores.
Além disso, um distúrbio
psiquiátrico – os mais comuns em crianças são de déficit de atenção e
hiperatividade (TDAH), de conduta e de ansiedade - pode abrir precedente para
outro.
Estudos
conduzidos em 2012 pelo Hospital das Clínicas (SP) mostram que mais de 50% das
crianças ansiosas experimentarão, pelo menos, um episódio de depressão ao longo
da vida.
Não é só tristeza
O quadro depressivo de um adulto difere do de uma criança.
Enquanto o adulto sofre com alteração de humor, falta de prazer em viver, de
executar as tarefas, recolhimento, alterações de sono e de apetite, as crianças
nem sempre dão sinais tão característicos.
Como explica Ivete Gattás, coordenadora da Unidade de
Psiquiatria da Infância e Adolescência da Unifesp, “é mais comum ela apresentar irritabilidade, agitação, explosões de
raiva e agressividade, tristeza, sensação de culpa e de melancolia”. Não
raro, a depressão é confundida com TDAH, por isso, é fundamental que se procure
um profissional especializado.
“Erros de diagnóstico e
de tratamento podem mascarar os sintomas e até mesmo agravar o quadro”.
É claro que, assim como nós, a criança também não está imune à
tristeza, a acordar sem vontade de se relacionar com as pessoas ou ao mau
humor.
O que se aconselha é tentar
entender o contexto do seu filho, principalmente, observar a duração desses
sentimentos (mais de um mês já é preocupante), a intensidade e de que maneira
eles estão afetando a vida.
“O pai que presta atenção
em seu filho vai notar que algo mudou. Mesmo que ele não saiba exatamente o que
é, já serve de sinal de alerta”, diz a especialista.
É possível evitar, sim
Assim como existem fatores
facilitadores do transtorno depressivo, há outros que são protetores. Isso
significa que o aparecimento da doença está intimamente ligado a uma equação de
equilíbrio dessa balança.
Mesmo que a criança tenha
propensão genética e viva em um ambiente pouco favorável, ela pode não
desenvolver o quadro e vice-versa.
Um bom funcionamento cognitivo, estabilidade e organização
familiar, ambiente amoroso e ausência de fatos estressantes na vida da criança
contribuem com a prevenção. Todos eles podem ser construídos e
reforçados em casa, por você e por toda a família.
Lembre-se: a criança que cresce
com amor, carinho, que recebe atenção e proteção dos pais, dificilmente vai
enfrentar problemas de comportamento ou desenvolvimento. E, ainda que os
enfrente, serão mais facilmente superados.
Para quem procura ajuda:
O preconceito ainda é grande
A
ausência de sintomas clínicos, por si só, já dificulta a detecção do problema.
Aliado a isso, o número de médicos especializados no tratamento mental de
crianças e adolescentes ainda é pequeno: pouco mais de 400 em todo o país,
concentrados nas regiões sudeste e sul.
Mas também é preciso
dizer que a depressão, assim como outros transtornos mentais, carrega um
estigma de “frescura”, “fase” ou, pior, “doença de louco”, o que dificulta o
reconhecimento da doença por parte dos pais e a consequente busca por ajuda.
“Ainda
há reserva e desinformação das pessoas em relação ao especialista. Muitos
pediatras preferem encaminhar a criança para outros tipos de tratamento.
Os
pais, por sua vez, ainda acham que o psiquiatra é ‘médico de louco’. Tem também
o medo em relação ao uso de medicamentos, de que eles causem dependência ou
efeitos colaterais”, explica Bessa.
Vale
saber que existem medicamentos e dosagens específicas para cada faixa etária.
Além disso, nem sempre a depressão infantil vai ser tratada com remédios: quadros mais leves ou moderados podem
ser contidos apenas com psicoterapia.
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