Saramago já dizia: “É dessa massa que nós somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade”
Embora, seja dura a observação do português, devemos considerar que, de fato, temos vivido de modo a fazer jus ao pensamento dele. A cegueira, que nos dominou nesta quadra da história, nos transformou em tiranos de nós mesmos, como se houvéssemos perdido a capacidade de perceber o que nos circunda, o mundo, os outros, e, muitas vezes, até nossa individualidade verdadeiramente.
Fomos dominados pela
ditadura do ego, a qual não permite a conjugação dos verbos no plural. Sendo
assim, existe apenas o eu, e, ainda, de forma superficial, uma vez que para que
possamos compreender as nossas tormentas é preciso perceber que no mar bravo
existem outros barcos além do nosso.
Não há, dessa forma,
a percepção da humanidade que nos forma, isto é, a nós e aos outros, de modo
que o outro se torna indigno da nossa visão, tornando-se invisível diante da
nossa cegueira egoísta.
Dessa maneira, não conseguimos perceber/enxergar que,
assim como nós, o outro também chora, sofre, sente a dureza da vida, precisa de
um afago, de alguém que o escute e se esforce para compreendê-lo. Ou seja, que o outro também precisa de
alguém que seja capaz de desvestir-se do próprio ego para mostrar a sua nudez,
a sua fraqueza e, por conseguinte, demonstre que ainda há ouvidos dispostos a
escutar e olhos lacrimejados incessantes por mais lágrimas.
Ao adequar-nos a uma sociedade sustentada no
individualismo e no egoísmo, passamos a estar doentes, a nos tornar estranhos
perambulando em labirintos. Passamos a cegar e, acima de tudo, passamos a
tornar a vida um lugar ainda mais inóspito, um lugar mais duro, mais seco, no
qual não se brota amor, já que para que este nasça é imprescindível a presença
da divindade que só existe no pequeno espaço colocado entre duas almas que
procuram incessantemente a conexão através do toque das palavras.
Calamos as palavras na medida em que escolhemos não
enxergar o interlocutor. Palavras ditas para sombras só conhecem o eco
melodicamente fugaz de palavras não ditas. Tornamos a alma muda, amedrontada e
carente de ouvir, de ter atrito, de ter mais cores vindas de outros potes.
Estamos perdidos em
um sonho ridículo. Perdidos em vidas vazias e solitárias. Perdidos dentro dos
muros que construímos. Perdidos em nossas depressões, em nossas frustrações, em
nossas ansiedades. Perdidos na solidão, embaixo do chuveiro enquanto a água cai
estilhaçando o nosso corpo. Enquanto procuramos nos livrar por meio das
lágrimas do imenso vazio egoísta que nos enfraquece. Enquanto procuramos nos
livrar das dores silenciosas e do martírio oculto da nossa ruindade.
A vida sempre será dolorosa e a terra dura, mas não
podemos viver escravizados por nossos egos, nos achando sempre
autossuficientes, sentados em cima do próprio umbigo. Viver é muito mais do que
isso, é poder ter a riqueza de construir pontes que ligam pessoas e tecer
palavras poéticas que comunicam almas.
É ter fome de amar, de abraçar, de ouvir. É reconhecer a
fome no outro mesmo quando a barriga está cheia. É ir além da massa de ruindade
e egoísmo que ruge forte em nós.
É nunca cegar ou nunca permitir que essa cegueira se
instale e retire o que há de mais belo no mundo: o olhar profundo entre duas
pessoas sintetizando a essência do que é divino, pois lembrando outra vez
Saramago – “Se
podes olhar, vê. Se podes ver, repara” – porque cabe a
cada um de nós a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam e
como disse certo poeta meu camarada, Tokinho Carvalho: “Em terra de egos, quem vê o
outro é rei”.
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